quinta-feira, março 06, 2008

Meditabundo

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

(Fernando Pessoa, 5-9-1933)


Meditabundo (adjetivo)
1-Que medita, mergulhado em profundos pensamentos; cogitabundo. 2-Derivação: por extensão de sentido.
moralmente abatido; cabisbaixo, melancólico


Dura madrugada cujo silêncio nada quebra. Nem mesmo algum sono vem para tirar-me desse tormento.
É nessas horas que uma opressiva tristeza vem esmagar-me n’algo que chamaria de alma se eu cresse que a tivesse ou talvez algo esmagado por dentro que por esse nome chamar pudesse. E tendo crido chamaria a isso uma prece a alguém inexistente que em momentos absurdos como esse por mim velasse, que se comprazesse talvez d’alguma dor que depois de tanto sentir, dela meu corpo esquece.
E seria tudo isso um amontoado de frases com duvidoso e precário efeito poético (lírico, portanto) se verdadeiro e real não fosse. Então, em madrugadas insones como essa, eu derramaria de uma vez todos os versos de minha tristeza, se eu os soubesse, esvaziar-me-ia de dentro daquilo que não tem nome de tudo o que sem vir me entristece e emudece.
E, se eu pudesse, dormiria. E se dormisse, era para esquecer tudo o que disse.
Mas não. Desperto como estou, os pensamentos insistem em buscar bem lá no fundo de não sei onde as lágrimas que nada lavam quando pelo rosto me descem, que fossem tantas o suficiente para que inundassem a casa toda, que eu não escapasse e nelas me afogasse.
Sei porém que não tarda o dia que já amanhece, e eu, vivo, hei de me arrastar por todas as horas inevitáveis que me trarão de volta a essa.

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