terça-feira, outubro 02, 2007

(Des)arrumação

Depois da chegada e devida arrumação da nova estante, sobrando tanto espaço na velha, e depois da chegada e inevitável desarrumação do novo habitante felino, tudo o que faço é arrumar e arrumar, organizar as coisas, como se arrumar tudo em volta e fora de mim arrumasse tudo dentro de mim.
Depois da glória efêmera de mais uma premiação poética, ponho-me a pensar que sou poeta coisa nenhuma. De volta ao ostracismo e ao esquecimento, resta-me arrumar meus muitos papéis, depois da arrumação dos livros. E lá vou arrumando esses tais papéis, muitos textos, alguns lidos, outros não, apenas colecionados. Etiquetando: poesia, literatura e filosofia. Escapam outros gêneros, história, ciência e alguns que são classificados mais no geral com uma etiqueta grafada diversos.
Tenho que sair rapidamente para o meu almoço, pegar o livro que deixei encomendado ontem. Bem que vai ser útil para um projeto de tese de mestrado, que parece se avizinhar nas cercanias de minha criatividade. Eu sei que vou escolher o tema mais difícil de ser abordado. Eu sou desse jeito, um sujeito difícil. Mestrado? Ora, o que estou dizendo?
Eu escrevia com pressa, mas perdi toda a pressa, uma questão de ritmo é sempre minha questão. Sinto-me como se estivesse sentado numa pedra bem no meio do deserto, para onde quer que eu olhe, nada.
Eu estava agora a pouco na livraria, aguardando o livro encomendado. Tantos livros são escritos. Eu que comprei um tanto desses que foram escritos, agora quero escrever um. Quero? Não sei se quero.
O Centro da cidade, tantas pessoas! De repente, um sentimento de estranhamento: o que são as pessoas? Ao que me parece, esse poço de emoções baratas. Eu quero ser esvaziado dessas águas. As pessoas e seus rostos, seus olhares, seus esgares, fico cá pensando na misantropia de minha grande amiga, talvez também esteja se perguntando o que são as pessoas. Ou talvez não. Talvez uma tristeza na qual eu não tenha prestado atenção. Talvez esteja ferida de uma batalha que trava sozinha, sem que eu possa fazer qualquer coisa. Sinto sua falta, mas parece que estamos vivendo nossos momentos em que algo mais nos falta. Isso mesmo. Aprendendo sobre o que exatamente nos faz falta. Ou quem sabe aprendendo a não fazer falta para nada e ninguém desse mundo. Uma arrumação, provavelmente, da bagunça interior. Um tal de um “sentimento de não estar de todo”.
Pois foi chafurdando na minha bagunça de papéis que encontrei vários poemas, que fui lendo quase com uma devoção extraordinária. Prestando atenção em como os poetas de verdade usam as palavras, tantas palavras mais do que as que eu uso, e fazem suas tão belas construções, pintando os sentimentos das mais variadas cores. E fiquei dessa vez me perguntando por que e para quê. Por que temos que ter tanto para dizer, o tempo todo, porque essa tagarelice escrita e rimada, bem construída? Melhor que ficássemos todos calados. Melhor que desistíssemos de achar que podemos querer mudar ou melhorar o mundo.
Ainda olho a caixa de correspondência, o telefone não toca e nem eu toco nele. Um e-mail eu não consegui responder. Parece que finalmente não tenho mais nada a dizer. Mais nada. Meu silêncio me atormenta, o vazio que fica me assombra. Não sei mais o que fazer das coisas do coração. Não sei mais. Silenciar. Entregar-se de uma vez por todas às lembranças de tudo que, afinal de contas, passou e, passando, acabou. E que não parece querer recomeçar.
Quanto ao coração, melhor seria que nunca tivesse amado, do que a possibilidade de um dia não amar mais. Do mesmo modo, melhor era nunca ter sido amado do que não ser mais amado. Esses instantes em nossas vidas tão impossíveis de serem eternos. E esse gosto por eternidade que temos por mera recaída do viver. Não! O tempo nem apaga e nem cura nada. Muito menos o tempo vence. O tempo apenas devora. A imagem mitológica, na minha humilde opinião, é a que ainda tem mais peso.
Então vamos seguindo em frente, sempre com um pedaço a menos do que somos, devorado pela voracidade do tempo. Errônea impressão de que somos mais enquanto o tempo flui. Vamos no fluir do tempo sendo cada vez menos, até sermos nada, nosso fim último e mais provável. Tudo isso sem grandes inquietações existenciais. Verdade!
Diria-nos Horácio, nessa hora tenebrosa: carpe diem.


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