quarta-feira, outubro 17, 2007

Pensando coisas...


Pensando coisas é que me perco. Pensasse menos, encontraria uma certa paz. Ainda mais agora que já sei o nome da árvore que enfeita minha janela: Tabebuia pentaphylla, mas podem chamá-la ipê-rosa-el-salvador. Sim, é um ipê, não como os nossos aqui, é mesmo de El Salvador. Os nossos, o também Ipê Rosa, o Branco, o Roxo e o Amarelo (eu vi todas essas árvores, e com flores) são do tipo de dar galhos mais comportados, formam uma bela copa, são bem mais elegantes que o seu primo de El Salvador. Mas eu gosto deste último, com seus galhos não comportados. Dão flores em ramalhetes, quer dizer, várias flores no mesmo lugar. E dão flores enquanto têm as folhas. Mas vocês todos, quando a virem, podem chamar de árvore mesmo, que ela atende de qualquer modo.
O gato trava uma guerra contra os insetos. E ele tem como brinquedo seis bolas de meia, duas bolinhas de plástico, algumas que aparecem, feitas de papel, tem como brinquedo ainda eu e a casa toda. Tudo é dele e tudo é brinquedo. Ele aprendeu a brincar de pega-pega. Gosta de correr de mim e atrás de mim, já demos umas quase trombadas. E sempre me ameaça quando estou descalço e de bermudas, caçando qualquer um dos meus pés. Ele é divertido, mas acho que eu o divirto ainda mais, enquanto me divirto com ele. Mais do que isso, só vendo.
As pessoas no terminal rodoviário são pura ansiedade. Lá estão a esperar alguém que vem de longe num ônibus, ficam espreitando feito gato cada ônibus que chega. E se ô ônibus é da cidade de que vem a pessoa esperada, ficam espreitando cada um saindo pela porta. E as pessoas que descem já procuram alguém conhecido no meio dos muitos ansiosos rostos. Quando encontram, já se cumprimentam pelo olhar e por um sorriso que eu diria que simplesmente ou escapa ou muito dificilmente pode ser contido. Mas essa é a hora da chegada.
A hora da despedida tem as mesmas coisas de modos diferentes. É um outro tipo de ansiedade. A antecipação da saudade certa que vai pairar entre quem parte e quem fica. Inevitável. Querem falar de tudo um ao outro, ou uns aos outros, nos minutos que antecedem a separação que se dará de fato. Outros ficam abraçados, incapazes de decidir se quem fica quer ir ou se quem vai quer ficar. Ou se pegam nas mãos, beijam-se, fazem pequenas carícias, um afago no cabelo, um correr dos dedos pelo rosto. Olhares que dizem adeus e querem dizer volte logo. E os ônibus são monstros gigantes a engolir e carregar para longe quem a gente ama.
Estive ontem na rodoviária. Sempre olho com hostilidade para o monstro gigante. Ela entrou num desses e se foi. Que pessoa de rodoviária ela é? Que pessoa ela é da minha vida? De tanto olhar, não pude deixar de perceber. Chegando, ao descer do ônibus, ela olha direto para o bagageiro do mesmo, como se sua bagagem fosse lhe pular no colo feito um animal de estimação. Sempre tem gente na frente a pegar suas malas. Ela espera sem olhar para ver se chegou quem veio esperá-la. Estou ali, já a vi e ela não me vê.
E na hora de partir, ela esgota os assuntos, mais preocupada em dar o bilhete ao motorista do que se entregar ao ritual da despedida. Não sabe se quer apertar as mãos, abraçar, beijar, e de novo beijar, abraçar e pegar nas mãos. É muito desajeitada com gestos íntimos em público ou com despedidas, não sei qual das duas coisas. Então, ela simplesmente entra e vai.
Então foi assim que ela se foi. Assim termina o romance que na vida eu escrevia, que tinha de tudo para ser tão mais belo e insistiu para ser apenas belo o suficiente. E no tempo certo, não muito além da conta.
Não contente em ficar encarando o monstro gigante que a levou para longe, achei de ficar encarando todos os outros monstros gigantes a fechar as suas portas e partir, levando tanta gente e suas histórias para bem longe. Separando as pessoas.
Depois disso, era imprescindível que eu fumasse dois ou três cigarros, para configurar a saudade para agüentar mais um tempo, com a nítida certeza de que esse tempo vai ser mais longo do que eu possa imaginar. Esse tempo pode ser para sempre.
Se eu tivesse na vida mais despedidas, faria a alegria e a fortuna dos livreiros. Saí de lá com mais um livro para ler no trem a caminho de volta para casa. E para ler e reler a vida toda, porque é um bom livro de um bom autor tratando de um bom assunto. Tudo parece tão bom.
Cheguei em casa com uma sensação que não é muito fácil de descrever, sei apenas que não é simplesmente alívio e muito menos é resignação. Mas é como se tivessem tirado a adaga fincada bem no meio do meu peito. Tenho que correr atrás do gato. Ele vai querer correr atrás de mim. Não sei o que ele pensa quando me arranca risadas no meio da noite. Mas acho que ele se diverte bastante.
PS.: Claro que o ipê da foto não é o que está em frente a minha janela. É apenas imagem para quem não conhece. Também acho que o ipê da foto é o brasileiro, não o de El Salvador, que não perde as folhas quando dá flores. Ah! Preciso mesmo de uma máquina digital, para poder mostrar o ipê da minha janela. Providenciarei.

Nenhum comentário: