quarta-feira, outubro 10, 2007

Uma aventura

Eu preparo uma aventura. Quer dizer, eu me preparo atirar-me a uma aventura. E olho para trás a procura de aventuras do passado, quando foi a última? Tirando as de caráter pueril, ou mais próprias da adolescência, que são só aventuras porque parecem aventuras naquela idade, tirando isso, desde que me entendo por gente, essa coisa adulta cheia de peso na bagagem, às vezes até em volta da cintura, essa coisa cheia de limites e limitações, essa coisa cheia de ponderações, que não se sabe se dono ou escravo da própria razão, desde que virei isso que sou, não sou capaz de me lembrar de mais nenhuma aventura de verdade.
A vida que querem que tenhamos, ou que permitem que tenhamos, nos enquadra da forma que quer e no que quer, dita o tamanho de nossos passos, a extensão de nossas ambições, os limites de nossas possibilidades. Quem dita isso? Sei lá, não vou tecer nenhum tratado sociológico ou antropológico, e muito menos filosófico, a essa altura dos acontecimentos. Mas tenho todo o direito do mundo de tergiversar sobre o que quero e o que não quero, à vontade. Minha vontade, só minha, vontade minha.
Mas também deixemos dessas considerações rebeldes desprovidas de causas plausíveis. A realidade é que ser o que queremos e tudo o mais nessa porcaria de vida tem um preço, e muitas vezes a gente vende a alma para pagar esse preço. Ou às vezes vamos entregando tudo em intermináveis prestações, pagando o preço em doses homeopáticas, com juros e correção monetária, sempre com correção no nosso saldo devedor. Não estou falando de dívidas bancárias, que também tenho, como podem pensar. Estou falando de nossa dívida existencial, para respirar e existir pague! E pague bem caro. Não tem dinheiro? Então pague indiretamente, consumindo tudo o que lhe oferecem para você ser algo mais do que é, (puxa vida!), essa porcaria que não figuraria bem num horário global, nem no núcleo pobre da pior novela. Esse algo que é que não fotografaria bem suas caras numa certa revista, que não seria bem visto passeando em Beverly Hills ou transitando distraidamente em Hollywood. Ora bolas!
Declaro-me, desde já, um inadimplente.
Mas não era disso que eu estava falando. Eu falava de uma certa aventura. Será que queria mesmo falar? Agora é tarde, meus dedos correm muito rápido pelo teclado e falam por mim. Eu falava de uma aventura de amor. Desde fevereiro que não a vejo e ainda acho que ela é minha namorada. Parece não ser mais, acho que terminamos por telefone (por telefone?). Não! Não posso aceitar isso. Se pelo menos fosse por carta, ainda ia.
Às vésperas desse feriado, deu-me de me dar uma idéia louca e absurda, inteiramente pueril, de fazer uma viagem de setecentos quilômetros só para ver a pessoa amada. E de ônibus. Tivesse trem para lá seria muito mais emocionante, além de romântico, é claro. Mas não há. Parece que não há. Ônibus mesmo, e estrada, esses meus dois velhos conhecidos. Já fiz virtualmente a bagagem, vou levar bastante papel, lapiseira e caneta. Roupas? Não sei se vou precisar. Vou num pé e volto n’outro. Sem hospedagem. Vim aqui não para conhecer essa fabulosa cidade, mas só para ver você. E só ver mesmo, se for o caso. Como se fosse a última coisa que tivesse para fazer na vida. Nem que seja para ouvir ao vivo e em cores que está tudo terminado. Mas vou ver você. O que mais vou conversar? Não sei. Não dá para ficar fazendo ensaios com essas coisas. Levarei todas as palavras que tenho não na bagagem de mão, mas em outra minha bagagem, essa que acho que trago desde sempre, desde que comecei acumular. Levarei esses meus ultrapassados sentimentos. Como não sei rezar e nem cantar, levarei meu olhar, meu olhar. Acho que deveria levar também flores, só para parecer ainda mais antiquado. Levarei então o presente de aniversário atrasado, isso, com um mês de atraso, mas tudo bem, será um outro livro, de longe o presente que mais gosto de dar e é muito bom quando encontro alguém que gosta de ganhar exatamente esse presente. Que mais? Que mais? Não sei. Nem sei mais.
Mais perguntas? Quais são as minhas verdadeiras intenções? Bem, eu só quero ver a moça. Preciso parar de sonhar com aqueles lábios espalhados por toda parte. Ou, quem sabe, ter motivos para sonhar com eles ainda mais. Aventura, cada um tem a que merece.

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