quinta-feira, dezembro 25, 2008

Nix

É noite... e a noite se alastrará para o dia e tomará conta dele com seu silêncio e sua escuridão, com toda sua solidão.
À noite é que foram feitos o Universo, a luz e as estrelas. À noite é que surgiu a vida. Tudo aconteceu primeiro à noite. O primeiro olhar para si mesmo, homem que se torna homem e se apodera do mundo e toma para si a natureza. Ato tão vil como esse, só poderia acontecer mesmo à noite. À noite o primeiro nascimento, a primeira morte, o primeiro olhar de amor e o de ódio, o primeiro grito assustado, a primeira sensação de medo, geradora de todos os medos subsequentes.
É noite! É noite sempre em meu peito, onde a noite nasceu e parece estar até hoje. Gostamos da luz, mas somos filhos da noite. Nela nasceu nossos deuses, nosso deus, nossos santos, e nossos heróis, nossas histórias tiradas de uma certa imaginação, que também só pode ter surgido à noite.
A noite, a grande criadora. Tudo dela sai e tudo a ela volta.
Minha solidão e minha tristeza, meu silêncio, filhos meus e da noite, minha amante.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Das coisas que se diz...

Das coisas que se diz... serão das coisas que um dia se fará? Sabe lá... o que é morrer de sede em frente ao mar! Só eu sei as esquinas por que passei... vontade de escrever sabe lá o que dá nisso de ficar de citação, o que chamam intertextualidade, que significa os textos de outrem invadindo seu modo de pensar. Pensar que tudo é tão pouco, e tão sem importância, o significado de tudo significando nada, nada, nada.
Sexta-feira é o dia mais amaldiçoado para os solteiros pós casados e para os solteiros que ainda não se amarraram. Sim, é isso mesmo. A vida tão confortável e cômoda de ter alguém em casa ou ter aonde ir e para quem ir. Faz falta.
Quanto tempo sem um cafuné, um chamego, um carinho e uma carícia, uma transa, um dormir juntinho. Aí você olha em volta e vê as pessoas fazendo míserias por causa disso, se arrebentando mesmo, sem um quase nada por quase nada de ninguém que as olha e vê: esmola afetiva. Os mendigos afetivos disfarçam-se de exigentes, não encontrei a pessoa certa.
Certo é que não sou há muito tempo a pessoa certa de ninguém...
Muito mais para dizer. Mas uma espécie de festa me aguarda agora. Sexta-feira, sabe-se como é, todos os gatos são pardos, todas as emoções são escassas, toda felicidade é tão parca.
Chega. A noite é uma criança e eu sou muito velho para ela.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Santos

Mercado Municipal de Santos em eu sexagésimo aniversário. E nós ali atendendo os possíveis novos mutuários, no mezanino, fazendo inscrições. Misto de trabalho e prazer, de dever e lazer, pena que a vida toda não seja sempre assim, tudo na vida não ser assim.
Nos boxes do mercado, que passou por uma reforma, algumas oficinas com crianças, arte, ballet, karatê, capoeira. De repente, tenho a impressão qaue tenho uma tremenda saudade de trabalhar com crianças. Fiquei olhando aquilo e percebi que é algo que nunca deveria ter deixado de fazer. Eu até trabalharia mesmo que não fosse em troca daqueles míseros papéis coloridos. Para dizer a verdade, eu gostaria de trabalhar com a criança de qualquer idade, dos oito aos oitenta anos, com a criança que cada um de nós não poderia de jeito nenhum deixar morrer. Prontas para conhecer o mundo, sempre, as crianças são muito atentas e curiosas, interessam-se por tudo, querem saber de tudo e fazer duzentas mil coisas ao mesmo tempo. E o que é melhor, as crianças usam e abusam do sorriso.
O cheiro do mar, ó mar salgado, quanto do teu sal... a brisa na praia, pessoas dispostas como que sempre de férias. 
O Porto, imensos navios de carga, gigantescos armazéns, milhares de containers, a gente sabe que existem essas coisas grandes, mas ainda se impressiona quando as vê. Como as crianças.
Eu descubro de súbito, como me ocorre, que não sirvo para ficar um tempo só no mesmo lugar. Num mesmo lugar sou sempre o mesmo e cada vez mais velho. Andando de lá para cá e de cá para lá, parece que tudo se renova, que sou sempre outro.
Movimento e mudança. A vida quando acha de estar parada, escolhe sempre a pior cena, o capítulo mais difícil e o final mais triste.
No meio da alegria, morreu de felicidade. Queria que dissessem isso de mim um dia.


quarta-feira, novembro 19, 2008

Quem diabos quer saber quem sou?

Que este amor não me cegue nem me siga
Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

Às voltas com minha salada preferida: dialética com poética, sem retórica. Tudo começou esta tarde, quando fuçava minha gaveta no trabalho e encontrei o poema acima. Difícil não se ver nele, difícil não ver nele muita gente. E não é assim tão difícil perceber uma certa síntese de tudo que se quis falar sobre o tema. Mesmo as boas literaturas, às vezes, perdem para os poemas, arrisco dizer.
Eu tenho um celular que encurta a distância com as pessoas. Gosto de mensagens, abuso delas demais, uso-as muitas vezes como uma conversa e, sem perceber, não consigo parar. Eu tento não perturbar ninguém com mensagens (não juro!), mas não consigo resistir.
Morte e saudade... seria isso o que mais assusta? Então comecemos pelo mais difícil, a saudade, já que a morte é o limite, é o que nos define. Os deuses são imortais porque não existem. E nós morreremos porque existimos.
Muita coisa no trabalho esta semana, este mês, este final de ano. Viagens, aquela coisa de sair daqui e ir ali, bem longe, e voltar aqui. E eu padeço de saudades antecipadas que ninguém entende. Já lidei bem com isso antes, quando viajava até mais do que hoje. Colocava tudo numa gaveta etiquetada com o nome comprido de “sentimentos pendentes para se experimentar depois de... depois!". E tocava o barco, mais o da empresa do que o meu, não desfazia a mala e nem abria janelas nos quartos de hotéis. Levava algumas manias a passeio.
Uma vez por dia precisava ouvir uma voz familiar ao telefone...”chegou bem? Aqui está tudo bem! As crianças vão bem! Então tá, deixa eu ir agora! Comprei um carro com os dólares...!
Agora não lido bem com isso de partir. Uma parte minha quer ir (sempre) e outra quer ficar. Juntando as duas não dá certo, porque as duas juntas nunca querem nada.
Reza a lenda que não se morre de saudade. Não se morre disso. Não. Disso não se morre...
Saudade daqueles emails: isto é passado. Saudade de ser escritor: isto é futuro. Saudade de ser outra coisa: isto é presente. Ser outra coisa...
Viagens. Férias adiadas para o ano que vem. Muito trabalho, um pouco de dinheiro, decidi comprar um lap-top. Ser outra coisa...

Quem sou eu?

Aquele que passava por ali (podia ser qualquer outro, mas era eu): entra pra turma, precisamos de um enfeite naquele canto da mesa, um figurante para nossas aventuras, segura o copo como quem está brindando, sorria, diga umas coisas engraçadas. Agora dá licença que vamos fazer uma foto!

Aquele que foi dormir pai, marido, chefe de família, cunhado, genro, tio... e acordou entre assustado e perdido um apartamento, dia três de março de dois mil e cinco, um projeto de filósofo, um poeta a fortiori, mais por necessidade do que por talento, eu e vinte caixa de livros, minha velha poltrona preta, meus discos e meu aparelho de som, os móveis tirados de uma garagem, “ele deve estar bem, só pode estar bem, claro que está bem, ele não reclama, é forte, sensato, teimoso, tranqüilo...

Um menino aprisionado no corpo deste senhor entrado em anos, que perdeu seus brinquedos pelo caminho, uma das jóias mais preciosas do orfanato.

Um sujeito incrivelmente espetacular com dois ouvidos a ouvir “conversar” gente que tem duas ou três bocas...

O cara do piano... não o que toca. O que afina? Não! O cara que carrega o piano.

... mais uma foto, vem um pouquinho mais para trás... da câmera.

Esse monte de rascunho, eu diria estudos, como os artistas, ou esboços, mas isto seria muito.

Um cara culto, de muita leitura, que domina vários assuntos, um verdadeiro intelectual, muito inteligente, tão inteligente que já não é mais capaz de ser imbecil o suficiente para ganhar dinheiro.

Quem sou eu? Pode parecer uma pergunta destinada a auferir elogios. Mas não. Necessidade de saber o seu lugar na fila das migalhas (Exagero! Exagero?), ou saber como posso ser visto por quem me olha de fora, ou de longe, já que de perto ninguém é normal, saber como podem me analisar de modo a balancear adjetivos e substantivos.

Quem sou eu? Quem diabos quer saber?

sexta-feira, outubro 24, 2008

Ainda

Ainda tem essas reticências que se espalham por meus escritos...
Ainda tem a Lua no céu, grande, linda e brilhante, mágica, misteriosa, envolvente...
Ainda tem essa brisa na varanda, um café à noite, um passeio no frio, uma sopa quente...
Ainda tem aquelas crianças que cresceram comigo e brincam com a criança que nunca deixarei de ser...
Ainda tem aquelas lágrimas que rolam despercebidas no meio de uma cena emocionante...
Ainda tem uma saudade do que foi e do que nem ainda é, às vezes até do que é e continua sendo...
Ainda tem um cheiro de terra, uma chuva fina, desenhos nas nuvens, um céu por trás de tudo...
Ainda tem aquela vontade que não se arvora vontade mas tem vontade de se arvorar...
Ainda tem aqueles sonhos esquecidos, lembrados sempre diante das ondas do mar...
Ainda tem uma certeza de que fui o que não acho mais que sou mas que sei que serei sempre...
Ainda tem essa confusão diante do tempo, misturando o presente do passado no futuro do pretérito, tudo tão perfeito, às vezes imperfeito e, quando muito, mais-que perfeito...
Ainda tem esses três pontinhos que coloco depois de tudo que sinto...

Viagens e Devaneios

Estava agora há pouco jantando e bebendo com amigos do trabalho. Mais bebendo do que jantando, tudo bem, está tudo bem, aqui faz um calor de trinta e nove graus e são sete ou oito da noite, de dia fez muito mais e estávamos sob o teto de zinco de uma quadra de esportes, das oito às dezessete. Água, muita água, refrigerante e cigarros, muitos cigarros.
Batatais, cidade que tem uma catedral que é uma quase réplica da Basílica de São Pedro, em Roma, no Vaticano, em escala um oitavo menor. Não tenho fotos, não, nao tenho fotos... e uma praça com as árvores podadas a la Edward Scissorhands! Já disse que não tenho fotos!!!
O que me traz aqui a esta cidade, meus caros, é a pura necessidade do vil metal. Na mesa do bar fico maravilhado com uma Yamaha estradeira, a estrada ainda precisa me conhecer assim, só eu e ela e uma moto, dessas grandes, o vento na cara, a barba por fazer, o cabelo por pentear, o banho por tomar numa próxima cachoeira e um futuro inteiro ainda por se traçar, como as linhas amarelas e brancas da estrada, cheias ou tracejadas, tanto faz, para se voar no tempo qualquer ultrapassagem é permitida.
De súbito, como que pego de tocaia, percebo que elas vieram: tristeza e solidão.
Conto a uma amiga que não durmo bem há uns meses e que isso não é insônia. Porque insônia é querer dormir e não ser capaz. E eu quero sempre não dormir. E quando durmo não descanso, acordo mais arrebentado do que antes quando achava que estava deveras cansado. Hein?! Eu me canso até descansando.
Ela diz: "você não encontra prazer nas coisas, ou não tem encontrado". Eureka! Reiventemos a roda!!! E que ela seja redonda e que rode e que nos guie por essa viagem. Eu não encontro prazer...
Vinte e três horas agora, eu aqui na frente da tela luminosa... é aqui que encontro prazer?!
Calor de uns trinta e cinco graus... eu não sei onde tem prazer!
Não preciso de dinheiro, guarde o seu! Não preciso de carro, vou a pé ou de ônibus (trem é preferível), não preciso de casa própria, cartões de crédito, crédito, talões de cheque, roupa ou sapatos novos, não preciso de uma máquina de lavar ou de um forno microondas, de um armário novo de cozinha, de um guarda roupa mais resistente, nem de outra cama ou de outro colchão. Não preciso de Moët Chandon (cidra serve), Guiness (bavária tá bom), não tomo whisky, não quero um celular novo, não preciso enfim que meu nome seja inserido no rol da fama dos medíocres insatisfeitos que ostentam seu sorriso de plástico e que saem bem em toda foto... não preciso, não preciso, não preciso!
Preciso de amor: amar e ser amado. Básico assim, essa coisa básica cada vez mais complicada.
E que essas perdidas noites de sono não tenham sido assim em vão!

quarta-feira, outubro 15, 2008

Ela virá...

Ela virá. Provavelmente virá. Trará seus olhos, sua boca, suas mãos e seu corpo. Trará até aqui seu corpo de curvas sinuosas e de formas generosas. Trará o irresistível toque de suas mãos. Trará toda a maciez de sua pele. O pitoresco de suas histórias e o seu jeito singelo e atirado de ver as coisas. Trará esse pouco caso de lidar com intimidade compartilhada. Não fará nenhuma pergunta, não oferecerá nenhuma resposta. Não acrescentará nenhuma reflexão sobre essa distância no tempo e no espaço e os efeitos que supostamente provoca.
Ela virá como se nunca tivesse ido. E chegará como se eu nunca tivesse ficado aqui, imerso em minhas reflexões sobre a distância no tempo e no espaço e sobre todos os efeitos que certamente provoca. Ela virá como se tivesse onisciência, como se soubesse que sou feito de incapacidades, feito de uma tola força que me obriga a uma insuportável espera. Ela virá como se o tempo tivesse em mim só o efeito de passar simplesmente e não o de me transformar.
Ela virá para as coisas que imagina que deixou no lugar. Para as mesmas coisas. E vai querer encontra-las no mesmo lugar em que deixou, e do mesmo modo, e as mesmas coisas.
Ela virá e não tocará nesse vazio. Não iluminará essa escuridão. Não trará o fogo necessário para o frio de todas as noites, as passadas e as vindouras. Não quebrará com música e poesia esse insuportável silêncio. E não me olhará nos olhos. Não prestará atenção ao mínimo sussurro que soe como um grito, não se importará com a dor que afinal é alheia, alheia a ela, a todos e a tudo.
Ela virá e não sentirá o peso de minha tristeza. Não saberá em que canto da casa escondi essa vontade de chorar. Não saberá me sentir absorto e perdido em pensamentos naquela sacada, olhando o céu por detrás dos prédios, uma lua alta e brilhante no céu. Não me verá desfazendo-me aos poucos, entregando-me à inevitabilidade disso a que chamam destino. Ela virá e não saberá em que parte da história entra, em que ato dessa ópera bufa. Terá perdido sua deixa e não será capaz de improvisar.
Entrará péla porta errada. Sairá pela janela errada. Deitará na cama errada. Tentará ainda ser amada pela pessoa errada.
Ela virá e não encontrará ninguém em casa. Virá e não mais me encontrará.
Vai estranhar um outro brilho em meus olhos. Um outro perfume que se alastra em minhas lembranças. Não vai entender meus pensamentos distantes e suspensos no tempo e no espaço, anulando de vez toda distância. Não vai entender uma outra presença que não a dela e nem um coração não se agitar não por ela. Não vai entender que meu coração quando grita não ama e quando se cala não se engana. E não saberá mais não ser o que nunca quis ser e temerá que tudo seja assim. Não saberá mais nada de mim. Se soubesse talvez não viria.
Mas a verdade é que ela virá e nada nem ninguém a impedirá de vir...
Nem me afastará dela e nem mudará a verdade da incerteza de meus sentimentos.
Nada me tirará dessa inútil e tola espera que deixo viver em mim mesmo sem querer.
Estou só no fim de todas as coisas e nada nem ninguém virá me salvar.
Até só restar ela... e mais ninguém!

quarta-feira, outubro 08, 2008

Ponto Crítico

A solidão e a tristeza não são mais minhas amigas... ah, deixa disso! essas linguagens poéticas, esse linguajar tonitroante e randômico, essas voltas em torno de nada para dizer nada sobre tudo... (quem fui que me deu essa bronca?)
A verdade é que não estou achando mais graça nenhuma nessa coisa de solidão e tristeza. E no momento não preciso de nenhum poeta tão filho da puta como eu para dizer como isso é. Preciso apenas de uma palavra: foda!
Quando você chega a um ponto crítico de sua vida, ou a um ponto em que seu espírito crítico já versou sobre tudo, não há mais volta. Há um enorme abismo entre este mundo aqui e o mundo de lá que você almeja, anseia, sei lá o quê (parece que nem as palavras querem mais ser minhas amigas...), enfim, este mundo que você já digeriu e o outro mais além que se apresenta como um banquete de iguarias totalmente novas, desconhecidas, nunca dantes experimentadas. Então tem que haver entre esses mundos uma ponte sobre o abismo. Isso: uma ponte sobre o abismo. Ou você a constrói ou usa as que estão construídas. Uma corda entre dois pontos, uma ponte de corda, ou de concreto ou ferro. Então você chega desse outro lado e o que acontece? Nada... você olha para trás e sente saudade daquele velho mundo que era tão confortável, conhecido, onde você estava tranquilo e acomodado. O novo assusta, mesmo quando ele nem se apresentou ainda.
Vou fazer o quê daqui para frente? Pontes que me levam de nenhum lugar a lugar algum. Eis o dilema das palavras e das imagens. Toda a realidade é mais filha da puta do que eu posso ser.
Chega de brincar de ter sentimentos. Dói estar sozinho e incomoda ser assolado pela tristeza. Um dia desses como hoje, frio e propenso a todo tipo de romantismo, aí temos o calor da pipoca e uma tela brilhante na frente. Covardes que somos!
Então, que faço? Resolvo que serei mais solitário que a solidão e mais triste que a tristeza. Quero apagar na história todos os registros de minha passagem. Quero não precisar de nada e nem de ninguém. Aceito os fatos, assimilo os fatos, adapto-me aos fatos. Não vai aparecer ninguém por essa rua vazia.
E ensaio meus próximos passos além do abismo. Não sei quem ou o que morre em mim. Tampouco sei quem ou o que vai nascer.
Estou atravessando minha ponte de cordas sobre o imenso abismo...

terça-feira, setembro 30, 2008

Sarau, dor nas costas e um gravador...

As frases que me escapam dos pensamentos agora aprisiono num gravador. Isso também cansa. Logo volto à precariedade de esquecer e tentar lembrar, dos bloquinhos de papel e canetas, tudo dentro da minha providencial mochila. Mas o gravador ainda tenta me conquistar...
Rabugento... tudo sou nessas tardes tão iguais, e mesmas noites, dias que amanhecem sem novidade, mesmo silêncio, mesmas perguntas, as mesmas renitentes dúvidas sobre o que nem quero mesmo saber.
Um sarau no sábado. É boa a companhia dos poetas. E engraçado é que nenhum deles te chama de "pseudo-poeta". Ali, você é poeta e pronto. Os poetas não morrem de velhice, mas quase que morrem de dor nas costas, morrem por um espirro... se não, inflamam os músculos. Um poeta no hospital não serve para nada, nem sabe sentir dor, fica olhando a dor dos outros e comparando com a sua.
Comecei a semana com essa dor... e vi que tenho que rever toda a poesia e todos os meus olhares sobre todas as coisas, e meus olhares novos para coisas novas.
Preciso morrer do jeito que sou e que me sabem, para nascer outro que não sabem e eu poder ser à vontade, com toda a liberdade.
Ah! Meus livros na estante... estou a ponto de dar um motivo para vocês existirem.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Outra reflexão urbana

É bom estar de volta em casa, de volta a esta tão polêmica odiada e amada cidade. Um pouco de frio – sinto falta da garoa -, um quê de anonimato em meio à multidão, aqueles mesmos rostos desfilando suas histórias intangíveis, desafio maior para qualquer tipo de imaginação. Aqui posso me sentir sozinho à vontade, rodeado de gente.
A segunda-feira tem um ar de porre, de ressaca, de humor alterado. Pelo menos é o dia em que ponho para fora todo o lixo, o lixo de todo o fim de semana, quando não o lixo da semana toda. E é dia de devolver os filmes à locadora. Segunda-feira é sempre o começo de nada.
A noite tem um céu nublado. Saio à rua, vou à locadora, os filmes. A noite parece silenciosa em respeito a minha passagem. Eu pareço flutuar em vez de andar. As ruas do bairro parecem me conhecer mais do que eu a elas. As luzes dos postes esboçam um sorriso irônico, como se olhassem quem já tivesse morrido e teimasse em andar por ali.
Vejo um Ford 1930 estacionado em frente ao mercado, placa de Mauá, DJL 1930. Parece posto ali de propósito, não para ser visto com meus olhos, mas com a imaginação. Para me causar estranheza. O passado materializado num automóvel, insinuando como que uma espécie de resistência diante do futuro, ainda que este me pareça um tanto incerto.
Sentada na calçada, a mulher que recolhe latas de alumínio faz palavras cruzadas. Atravesso a rua no cruzamento, e o Ford 1930 ainda olha para mim, com cara de sorrir ironicamente...
O bairro convive comigo há pouco mais de vinte anos. Conheço cada calçada, cada buraco no asfalto e cada árvore. As árvores parecem jazer sufocadas, envoltas de tanto cimento. Com o pensamento, imaginando, vou tirando todo este cimento das calçadas, o asfalto das ruas, os muros e as grades das casas e dos prédios, tanto ferro e tanto vidro, tanta pedra em cativeiro, as árvores não têm mais a terra.
Na porta da locadora, um Porsche de quinhentos mil reais. O dono dele e eu somos sócios dos mesmos filmes.
Volto pelo mesmo caminho que vim, o contrário de uma subida é uma descida. Ainda vou arrancando ferro e cimento, asfalto, as guias e as sarjetas. Eu preciso de terra...
A luz acesa da sala, por um segundo imaginei que você estivesse aqui, que tinha vindo... ensaio diálogos que vou inventando, para depois esquecer. Imagino cenas que nunca vou viver.
Aquele violão adormecido no canto do quarto, quatrocentos livros na estante, os filmes, as pastas de desenho, os rascunhos de poemas que nem sei mais quando vou digitar... isso tudo sou eu, que não sei como usar.
E essas palavras... esse tic-tac incessante no cérebro. Escreve, escreve! Escreve e não vive, assim está bom... porque se vivesse, não escreveria.
Seriam nossos desejos esses sonhos incompletos, pedaços de sonhos que juntos fariam uma história de verdade? Nossos sonhos seriam desses desejos repletos?
Pseudo-poeta é puta que o pariu... “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...”
Não é minha vocação ser pequeno demais para caber em suas ilusões racionalistas. E nem grande demais para lhe cobrir com minha sombra. Eu e você: a diferença entre nós é que você pensa que sabe o que é e eu sei que não sou. A sua vida não é nem uma saga, nada tem de glorioso ou heróico. E minha vida não é uma nota de rodapé. A sua vida é tão igual a minha e a minha tão igual a sua. A sua história é nada e a minha não é tudo. São só histórias... histórias que não modificam em nada o curso causal da contingência fenomênica de que se compõe a (des) ordenação do universo.
Ensaio discursos, profiro e escrevo discursos, imagino discursos que se referem a essas nossas ilusões, a nossas máscaras, nossas fantasias, às nossas hipóteses existenciais e às nossas incertezas mais cruciais.
Vê? É noite e há silêncio. Estamos sós do lado de cá do que podemos chamar de realidade, que é o avesso dessa dança da precisão do acaso. Vê? Nossa solidão é cumulada de uma tristeza latejante, que estranhamente brota dessa estranha saudade de tudo aquilo que não somos.

Uma reflexão urbana

Eu sabia que quando ela descesse as escadas tudo o que eu tinha para dizer ia ficar encalacrado na garganta. E o silêncio que ia se fazer iria perdurar até o fim de meus dias, ainda que eu o quebrasse antes, e esse silêncio seria triste como mil mortes nesta única e miserável vida.
De qualquer modo, era uma noite dessas que não se desperdiça impunemente, mas não sei dizer sobre essa noite em toda sua importância e realiza-la em toda sua necessidade. O que não me impede de senti-la e vive-la. Ou mesmo imagina-la em sonhos tantas vezes quanto quiser.
E me comporto como se guardasse um segredo inconfessável de coisas que são só minhas para mim. Enquanto isso, parece que de propósito o resto da humanidade se comporta como se vivesse dentro da mais absoluta normalidade. E eu tendo que conviver com essa ridícula sensação de que tudo tarda ou de que já é muito tarde para tudo, sequer para pensar no que tarda. Esses sentimentos com ares de excessivamente pueril, essa sentimentalidade fora de moda. E esse jeito de amar que parece não ter mais lugar neste mundo.
Eu ali com vontade de mandar tudo à merda. De esquecer que tenho sido há muito temo uma ilha que todos conhecem o nome, mas não sabem como é e nem onde fica. Eu que não consto no mapa do mundo de todas as outras pessoas.
Esse silêncio uma arma, faca de dois gumes, esse silêncio que faz bem a todo mundo e tão mal para mim.
Ela subiu as escadas e desapareceu na escuridão da noite. Deixou um pouco mais de silêncio dentro de mim.
De repente, estou em casa, a garganta seca e a cabeça doendo, os olhos inchados de sono, debruçado na sacada olhando ninguém dobrar aquela esquina, tocar o interfone, subir as escadas do prédio, inundar a sala com um sorriso e iluminar a tarde com alguma presença.
Então imagino cenas. Ela dobra a esquina, pára ao lado daquele poste e me vê olhando-a chegar. Os olhares se fixam por um instante, ínfimo, e conversam mais do que se poderia fazer com todas as palavras, e dizem o que estas não ousam dizer.
Ela sobe e entra no apartamento como quem vem a este mundo ao nascer, como se fosse a primeira vez, e, ao entrar, tudo nasce e renasce com ela, por ela e para ela. Fazemos silêncio e esse silêncio faz justiça a tudo aquilo que as palavras, por serem por demais precárias, não são capazes de expressar.
Amo você desde sempre, ainda que tenha descoberto isso ainda ontem, tão tarde para se dizer como se deve, tão tarde que isso é assim mais um transtorno do que uma alegria. Aquilo que a paixão trazia ontem, hoje não traz mais. Sou tão antigo como as pedras mais antigas. Todo esse arrebatamento, esse êxtase, toda essa saudade com sua inseparável melancolia, são coisas que parece que ninguém mais sabe que ainda se sente ou que ninguém mais sabe sentir.
Há um sonho que sempre tenho, recorrente, em que ela chega em casa e estou dormindo (ou dormitando numa tarde quente), sonhando estar sonhando este sonho. Então ela me vela o sono e, como que dentro do sonho, ou fora dele, me acorda com um leve toque de sua mão. Desperto, eu não sei nunca em que sonho estou, tudo assim tão sonhado, tão feito só de sonhos, mesmo o que tem um quê de parecer real.
Mas tudo isso é poesia de má qualidade, que não serve para nada. Lembra algo que li: “...a poesia, toda a poesia, todo pensamento poético é uma fraude. Ou melhor: uma armadilha, e uma das mais temíveis.”
E esses discursos interiores mais me atormentam do que tranqüilizam. E nada do que eu possa imaginar ou desejar muito muda isso. Olho em volta e estou sempre só, à mercê dos relógios que me dizem o quanto as coisas demoram tanto.
Esse sonho dentro do sonho, do qual acordo com a sensação de que ainda estou sonhando, é tudo o que tenho e o que mais demora em ser o que é. Ninguém dobra a esquina, sobe as escadas, ninguém me vela o sono, me olha nos olhos ou acorda com um leve toque. E isso, eu sei, não é sonho, mas vai ser assim para sempre.

quinta-feira, setembro 04, 2008

Taubaté, setembro de 2008

Faz umas quatro ou cinco semanas que tenho vindo a Taubaté, a trabalho. Perto de São Paulo, mas ainda assim muito longe de onde queria mesmo ir, para longe, por uns tempos ou pela vida toda, sei lá. Chamo carinhosamente de Taubatexas, porque aqui é quente, mesmo na lua crescente, é quente.
A estrada, velha e conhecida estrada, zomba de minha disposição atual para enfrentá-la. Não sou mais o mesmo, não sou mais jovem, meus sonhos foram atualizados, alguns eliminados, outros acrescidos que são estranhos demais para quem parece estar cansado de viver, mesmo sem perceber isso ou mesmo tendo que fazer um tremendo esforço para perceber.
Fora de casa, a rotina a que nos entregamos é só uma rotina estrangeira, só isso e nada mais. Mas continua a ser rotina. Longe de casa eu posso perceber que me sinto sufocado, afastado de tudo o que me dá, por assim dizer, uma certa segurança.
E os sentimentos... esses são implacáveis. No estrangeiro elevam-se a décima potência os mesmos costumeiros sentimentos: a solidão e a tristeza e a saudade.
Saudade... tem gente levando muito pouco a sério esse sentimento, essa palavra, que tem esse nome e me leva a outras coisas que ainda não ouso pronunciar o nome. Chico... a saudade é o revés de um parto... a saudade dói latejada... a saudade é o pior tormento... etc etc etc.
E eu, laconicamente, absurdamente atormentado por essas coisas todas lindas que nunca existirão, essas coisas das quais me fogem o nome.
Porque nem mesmo eu mais ouso ter um nome. Só essa fome que chamo saudade, só essa dor que só dói pela distância, só esse silêncio a que me obrigo sem saber por quê e que me atormenta e devora com o tempo a passar, inexoravelmente, sem que eu escolha, do qual não posso fugir e nem fingir, trazendo sempre tudo o que não posso evitar.
Isso: preciso voltar para minha casa e para meu corpo, minha vida e minhas máscaras.
E preciso descobrir urgentemente onde deixei guardada aquela velha tranquilidade...
Mas tenho ainda a estrada pela frente, sempre ela, minha sina e meu destino, minha maldição!

quarta-feira, setembro 03, 2008

Ah, bom!

Eu acho que sei que é isso. Essa vida que não sei para que serve. Meu corpo torto indo de uma cidade para outra, levado por essas estradas, impiedosamente. Raízes? Não sei de raízes... tenho na memória uma coleção de rostos que temo esquecer. Minha casa vai ser sempre onde estou e, desse modo, vai ser em lugar algum. Aliás, parece que o mundo todo, todas as estradas e todas as cidades são lugar algum. Parece que não não há nenhum lugar em que eu (minha alma?) descanse devidamente.
Todos os lugares parecem (deveriam ser) como quartos de hotéis vagabundos: uma cama, um chuveiro e, quando muito, um aparelho de televisão, dispensável, totalmente dispensável o aparelho de televisão. Na bagagem, roupas, papéis e livros. Você pode levar a tristeza e a solidão para passear em outras paisagens, mas elas não se tornam coisa melhor... E se, aliada a elas a saudade de tudo aquilo que tanto quis e nunca fiz, completam esse quadro, um dia de nuvens sombrias e silêncios, de reflexões inúteis e de imprestáveis conclusões, você vê apenas que tudo o que se fez foi sentir o tempo passar, sem nada de interessante, uma loucura que seja, uma aventura excitante, um novo desafio, sem um outro olhar revelador sobre as mesmas coisas: só a voracidade do tempo a nos consumir.
É complicado amar e parece que ser amado é impossível. Prazer por sua própria rapidez e acuidade de sentido é tudo o que de mais superficial pode haver no que consideramos prazer, esse sentimento tido como impróprio e impuro, não natural e repugnante. Quem nos disse isso em nome de que seita dogma de que deus de que porcaria de paraíso?
Viver é administrar precariedades? Quantos livros mais de Kundera terei que ler para entender isso? Ou quanto tempo mais vou ter que viver para saber que nunca vou entender isso?
A lógica da felicidade (essa lenda) é excluir-se das possibilidades de felicidade, porque esta tem sua cara verdadeira oculta sob a máscara das impossibilidades. Será que é melhor "não querer" para não se decepcionar por não se ter o que se quer? Responda-me quem for capaz, enquanto eu vou seguindo justificando esse meu querer nada.
O que é que escondo tanto de mim mesmo a ponto de nem ousar imaginar como é o que sinto que sinto se é que sinto? Essa estranha e torturante capacidade de não chamar as coisas por seus nomes.
Eu amo e acho isso ridículo, como se eu não tivesse mais esse direito, ou como se não combinasse mais com o que sou, como se eu nem tivesse mais essa necessidade. Amo você e protejo você disso (pelo menos tento), protegendo talvez a mim mesmo. Enquanto isso, resta-me pairar entre esses tantos vazios, entre o querer e o não querer, entre o poder e o não poder querer e até mesmo entre o querer e o não querer querer.

terça-feira, setembro 02, 2008

Hein?!

Meu silêncio tem um quê de grito que não ouço por estar sempre assim tão atento...
Minha tristeza tem essa mania de se disfarçar em meus tolos risos.
Minha solidão ronda mesas e companhias nunca escolhidas.
Meu futuro brinca de não existir e meu passado é um espelho,
E essa saudade faz de conta que não é nada... mentirosa, e me engana!
Eu finjo que estou bem e não tenho nenhum talento para isso.
Aos prantos minto que não choro e que desconheço o desespero.
Essas distâncias... essas distâncias me aproximam de tudo!

domingo, agosto 10, 2008

Primeiro

Primeiro foi o dia...
Brilhou sem eu pedir!
Com um sol de viver
Depois foi a noite...
Caiu sem eu perceber!
Com uma lua de chorar
Agora é você
Brilhando como o dia
Linda como uma lua da noite
Entra na minha vida
Sem eu perceber
E fica aqui dentro
Sem eu pedir
Como um sol de viver
Como uma lua de chorar...

De um tempinho atrás, esses pensamentos soltos, tanta coisa que a nada se prende, essa desejável liberdade indesejável de ser e estar só, inventando "você" para preencher um vazio do qual se desconhece o tamanho. Tão pouco de tanto para dizer, além do medo de dizê-lo e a capacidade de calar as coisas mais importantes.

sábado, junho 14, 2008

Ah, esse amor...

Eu amo e amo este amor e não outro. Amo uma mulher com este amor e não outra com outro porque sei assim que este amor é este. Ah, este amor que me faz tonto desperdiçar meu tempo a ocupar-me deste amor e não de outro. Amasse outra com outro amor não sei se seria ainda este amor. Ah, esse amor que ocupa os pensamentos com essas questões e não outras. Ah, esse amor...

Este amor que não escrevo mais em árvores, na areia da praia, e nem em papéis que espalharia na bagunça de tantos papéis, só para perderem-se mesmo, os papéis e o amor, este amor, e a idéia dele, a certeza dele, o medo de ele não ser o que não é num futuro que não sei se vem, ou ter sido o que foi num passado nem tão remoto assim do qual não esqueço. Este amor que me consome os dias, espalha-se em cada minuto do viver, aparece em cada poema que ainda ouso escrever, este amor que não me quer crer, que se afasta de mim. Ah, esse amor...

Este amor é feito de proximidades e distâncias, de lembranças e de saudade, de brincar de faz de conta, de pequenas alegrias passageiras e de grandes tristezas duradouras, de momentos de solidão tão inevitáveis, este amor é feito de um medo de ser uma dessas coisas lindas que nunca existirão. Ah, esse amor...

Este amor é feito de confundir-me por inteiro, até não saber o que sinto e como sinto, faz-me confundir delícia com delírio, um gesto de carinho por todo carinho que não se tem em momentos de insustentável carência. Esta carência e este amor. Ah, esse amor...

Este amor me ludibria, me põe indeciso entre amar quem está próximo ou esperar quem está distante, me põe contra todas as paredes, me deixa na beira de sempre mais um abismo, este amor me causa cisma, me obriga a enamorar-me da lua, a suspirar por mais uma estrela que antes não tinha visto, me torna melancólico a ponto de passear sozinho à noite, a espelhar lágrimas em poças d’água, este amor me faz perambular por aí recitando em pensamentos poemas que esquecerei de escrever, talvez os mais bonitos, como seria este que escrevo, se não tivesse esquecido todo o resto, toda a sua forma, toda a sua cor, toda a sua beleza, toda sua delicadeza. Este amor me consome. Ah, esse amor...

A cada momento eu sei e tudo que sei é deste amor. Este amor que eu temo virar um dia aquele amor, aquele do qual se fala quando não é mais este, este aqui que sobre o qual um dia ainda direi que era tudo o que eu tinha antes de virar aquele. Ah, aquele amor...

quinta-feira, junho 05, 2008

Noite de chuva, sonhos e trovões

Está bem! Eu minto. Não aos outros, mas a mim mesmo. Tudo por causa da teimosia, sou teimoso até comigo mesmo.
Acabei de jantar ovos com bacon, mais umas doses de pinga que eram suas, sei que tenho outra garrafa igual e cheia, que será também minha, se demorar para vir tomar posse dela. Eu prometo e descumpro. Eu minto.
Esse blog não está fechado para balanço (nem nunca estará), muito menos eu. Estamos todos abertos para balanço. Saldos e rescaldos, tanto faz, parece que sei tudo o que sobra sempre, essas coisas repetitivas.
Led Zeppelin no DVD, um livro sobre a Terra e o Universo, da National Geographic, um gato que pensa que páginas virando são brinquedo, eu com os últimos posts impressos, pensando de onde é que se tira tanta besteira. Os romantismos fora de moda, pensando em estar apaixonado por você. Seria tudo de bom, a melhor coisa que poderia acontecer (não fosse esse maldito tempo verbal), mas dei para desconfiar em tudo o que há e pode haver de melhor...
A guitarra de Jimmy Page, a voz de Robert Plant, mas o que me agita é a bateria de John Bonhan, o mais feio deles, portanto o único que tem como obrigação ser talentoso, muito talentoso, o mesmo que se dá com John Paul Jones (não que os outros não sejam talentosos, mas são bonitos.). E neste exato instante começa Stairway to Heaven e eu posso saber nesse momento que The Songs Remains the Same... meus sonhos que não se vendem na feira, minhas esperanças de sobra que, por sobrarem, são sempre jogadas fora.
Agora há pouco cerveja com os amigos, eu, o Coringa, o que se encaixa em qualquer baralho, unanimidade local, nacional, internacional, quando só o que eu queria é um presente barato no dia dos namorados...”Dear lady can you hear the wind blow...” e tudo isso me dá uma inadvertida saudade de você. Você que não está aqui agora, que não vai poder estar sempre que eu queira ou precise, você que tem suas estradas e seus sonhos, suas ilusões que serão no final das contas tão diferentes dos meus ao mesmo tempo que tão parecidos...

It’s late! O que foi feito dele? alguém sabe? Dizem que foi visto por aí, a barba e o cabelo compridos, uma mochila às costas, dois ou três livros na mão, a expressão de quem andou muito mas ainda não se cansou. A mesma expressão estranha no olhar, como o de quem quer ver. Dizem que se deixou de vez levar pelo chamado das estradas, pelas distâncias tantas ainda não percorridas, deixou-se enlevar pelo canto de todas as distâncias, pelo sussurrar do desconhecido. Dizem simplesmente que saiu por aí. Tomou direção norte, ou quem sabe qual? Falou em Bolívia ou Peru, falou num mar chamado Mediterrâneo, em não morrer antes de vê-lo, antes de nele molhar os pés, falou em navios, balões, um trem na Sibéria, o Delta do Okavango, falou de aventuras contra o pouco que oferece o protocolar dia-a-dia, essa mediocridade do passar das horas, falou em uma revolta contra o tempo e a hora de ditar-lhe as regras em vez de submeter-se a elas. Meu tempo é meu! Eu sou o Senhor do Tempo! Foi o que ouviram dizer que disse.
Dizem que enlouqueceu... mas há quem ache que antes é que era louco, e que agora assumiu todo o risco provável da lucidez. Outros contam que morreu, mas dizem que abandonou a morte para a busca incansável de um pouco de vida. Estava morto antes, agora é que resolveu viver. Tudo nele mudou, mas os olhos são os mesmos: só que mais enigmáticos e desafiadores... na verdade, nunca o olharam de verdade nos olhos.
Não lamenta o que deixou, anseia pelo que vai encontrar. Nunca teve nada, porque sempre quis tudo.
Anda a conversar com gente simples que nada conheceu além do rio de sua própria aldeia, que não sabem que língua falavam no tempo de Adão, que não consideram melhor um certo Aristóteles do que alguém com quem se divide um dedo de prosa ou umas tragadas de fumo de corda, umas duas ou três doses de pinga.
Mas insistem em afirmar que ficou louco. Dizem que ouviram dizer que segue rumo ao horizonte para pegar um pôr-do-sol com a mão. E que a vida pode lhe tirar tudo, menos essa vontade de seguir em frente.
Dizem ainda que é um atormentado. Dizem que falou com Deus, outros dizem que esqueceu de Deus. Dizem que é atormentado por causa da tristeza e da solidão, que se desencantou com o amor, com a idéia de felicidade. Mas contam que ele sempre diz que felicidade é não precisar de nada e que amar é não pedir nada em troca. Que melhor do que precisar de pouco é precisar de nada. Diz isso e um monte de outras tolices. É um louco! É o que dizem.
Dizem que ouve vozes. Que ouviu a voz do vento, o silêncio das madrugadas, o clamor de coisas novas nunca antes experimentadas. E saiu por aí.
Dizem que escreve os pedaços dessa história e os pendura nos troncos das árvores, coloca entre as pedras do caminho, deixa nos bancos das praças e das igrejas, põe nas caixas do correio nas casas onde viu alguém sorrir, ou alguém triste demais, onde viu alguém chorar sozinho, sem um ombro para confortar. Ou simplesmente lança esses papéis no ar em dias de grandes ventanias. Crê que não somos a história toda, mas somente pedaços dela. Pedaços tão pequenos que precisam gritar para existir.
Para alguns está certo. Para outros é um infeliz. Para uns tantos é apenas um espelho a refletir o que sentimos quando esquecemos de sentir: saudade.
Saudade no medo de toda liberdade ser só uma estrada, a vida uma mera escolha e tudo mais um sonho. Saudade de cada dia que faz um amanhã.
É tarde. Dorme sob a luz da lua, sua senhora soberana. Sonha com a vida que há ali no fim da rua, no fim da dor, no fim de todas as coisas. E sabe que tudo só pode ser se for para ser no fim de todas as coisas...

De repente acordo com o estrondo imenso de um trovão, são três horas da manhã. Chove muito lá fora. Essas palavras presas na garganta serpentearam pelo pensamento. A noite é mais solitária quando fria e chuvosa. Nisso tudo sinto saudade de você. E me sinto mais sozinho do que sou de fato. E mais triste. O sol trará um calor chamado realidade. E, com ele, essa estrada que não escolhi. E vontade de transformar todos os sonhos em verdade.

terça-feira, junho 03, 2008

Pedido de desculpas

O que acontece de verdade é que acho que não estou a fim de escrever. Há dias que nada do que escrevo é algo de que goste, nem prosa, nem poesia, nem muito menos essas coisas aqui. A procura de um verso ou de uma frase que seja, que incendeie a mente de inspiração, tudo que resulta é esse silêncio, essa frieza, esse vazio. Ou talvez dizer algo sobre essa incapacidade de dizer:

Uma noite fria e vazia, andar em silêncio sem ter alguém do lado, uma garoa leve a fazer espelhos de luz na calçada, os pensamentos arredios procurando disfarçar toda a tristeza. Caminhar como quem flutua na cadência da própria respiração. A solidão de passos que não sabem aonde vão. Diante de uma cena com uma paisagem assim, o que se tem para dizer ou é muito pouco ou é quase nada.

Mas tudo é fruto dessa tristeza que dura, que anda a envenenar-me por dentro, bem aos poucos. Mata tudo que tenho e tudo que quero e mata até o que não tenho. E o que ainda poderia vir a ter.
Melhor fechar tudo para um balanço até segunda ordem. A começar por este blog. E a terminar por mim mesmo.

Romantismo fora de moda

Acho que estou apaixonado por você, não sei. Perdi o jeito, talvez por causa do romantismo fora de moda ou o fato de pessoas românticas nunca se entenderem de fato. E vejo tristemente que não sou mais capaz de entender os mesmos sinais, os mesmos que entendia tanto antes. Fico procurando o menor indício de correspondências em sinais que ao fim das contas não consigo decifrar mais. Então prefiro calar. E fica assim uma coisa esquisita de se carregar consigo, um pensamento constante, uma idéia fixa, uma vontade de dizer junto com o medo de não ser.
Mas que sinais seriam esses? Tudo fica dúbio... a gente se ilude com uma palavra, um gesto, um jeito de olhar, ou com tudo o que sente bem aqui dentro, que devia conhecer bem, mas não, isso aqui dentro é que desconhece a gente. Sinais que seriam fáceis de entender, bastando o discernimento e a coragem de perceber esse se sentir bem ao lado justamente daquela pessoa, e sentir-se bem de uma maneira bem peculiar. É pensar nela o dia todo, memorizar coisas ditas, as cenas desse filme que tende sabe-se lá para que final.
E não dizer nada, não falar nem da própria suspeita. Deixar como está, porque a paixão torna-se amor e tudo isso pode estragar a amizade. Mas amizade é tão pouco de tudo que se queria, mas já está muito bom. Fica-se com o que já se tem para não perder o que se quer.
Aí ocorre de entrar o frio, de anoitecer todo dia e o silêncio apoderar-se de tudo. Para complicar, uma garoa fina escorre lentamente do céu nublado, do qual não se dá para ver nem que lua tem no céu. E acontece de eu não dormir, o que é pior, como as pessoas normais normalmente fazem. Então é um querer estar onde não se está, fazer outra coisa que não este nada, sentir de novo mais uma vez um tremendo querer estar junto, uma paz e tranqüilidade que não se encontra noutros momentos da vida, sentir sempre como se fosse a última vez que se sentiu, como se não fosse sentir nunca mais.
E depois, sonhar com isso e tentar em vão entender os enigmas desses sonhos, justamente para quem não tem mais paciência para ficar decifrando enigmas. Eu acho que amo você. Não sei. Mas acho também melhor calar. E acho melhor mesmo não saber. E me iludir uma vez mais por achar que esse amor pode ficar muito bem aqui comigo e já é o bastante. Não precisa estar com você. Esse amor só precisa saber que você existe e fazer segredo de si mesmo, para não correr nenhum risco. E existir o quanto for possível. Porque eu amo você, de um amor assim feito de silêncio.
No fundo, acho que meu tempo para essas coisas já passou. O que eu quero, e sei bem isso, é sentir coisas que senti há muito tempo atrás. Porque ninguém me avisou que a gente cresce e também muda. Eu acho que o jeito de se apaixonar, a capacidade de amar, isso tudo também mudou. E não está dando certo para ninguém eu continuar sendo o mesmo.

Post Encalhado

Do rol dos posts encalacrados, quer dizer, encalhados, que andavam rascunhados por aí, mas que não dava para postar, porque há bloqueios, não meus, mas de outrem, quanto ao uso do computador. Falando nisso, preciso urgente de um computador em casa, estou perdendo de ficar digitando o que me vem em fúria como a erupção de um vulcão e não escrevo, ou rascunho e o rascunho fica velho, como estes. E são como um murro ou um beijo que não se deu na hora certa. Passada a hora, a coragem arrefece e tanto um quanto o outro perdem muito em significado. Mas vamos lá passeando os dedos pelo teclado, quem sabe tinha lá alguma coisa boa.
Porque depois disso aconteceu muita coisa boa, que contaria aqui, não fosse o fato de algo em ficar preso naquilo que lá trás eu não disse, que tenho que expurgar agora como peso morto que se joga fora, para não ficar o dito pelo não dito no ato de dizer.

De 01/05/2008 – 01:10
Mais de uma hora da manhã e eu já devia ir dormir. Tanto trabalho amanhã por fazer, trabalho enfim que me traz o maldito pão que o diabo amassa com os pés. Mas dormir é meu maior dilema. Resisto até a hora certa de ser vencido pelo cansaço. Como se quisesse prolongar cada hora de mais um dia que passa, como se tudo isso fosse só para viver mais e intensamente essa absurda espera.
E eu espero. Espero que passem todos esses dias que faltam para chegar não sei que dia em que toda essa espera terá se revelado inútil e tola. Para eu poder finalmente poder parar de esperar. Para eu poder seguramente não esperar mais nada.
Seu silêncio pesa sobre mim como um mundo que tenho que carregar nas costas. A distância me limita. E sua ausência me define. Há um vazio que é feito de tanta coisa que é vazia. Coisas que não se disse, que não se pensou, coisas que não se sentiu. E esse vazio em mim quer sempre se fazer angústia e desespero, quer se cercar de um medo tão horrível de esse dia chegar tão igual a todos os outros. Tão igual a todos esses que tenho tido, em que estou só porque triste e triste porque só
Meus dedos temem as teclas do telefone e sua voz ao longe é só mais uma dor na certeza de que isso é amor, tanto quanto eu queria saber que é amor o que sinto tão mais perto aqui. Seja como for, é amor, e como assim o é, é fome que mata aos poucos a cada dia. E é isso e tudo o mais que poder ser traduzido numa única e inegável palavra: saudade.
Dou por mim que o sentimentalismo é uma coisa ridícula e todo e qualquer sentimento só serve para isso mesmo, para nos tornar ridículos. Dou por mim que todos parecem se ocupar de sonhos, enquanto eu me ocupo de não dormir, eu me ocupo em não desistir nunca.
Até que seja finalmente vencido pelo cansaço. E durma. E desista.
Assim sei que saio ileso na batalha do passar das horas dos dias dessa absurda espera, compondo-me de tanta coisa vazia, alimentando-me de nada recheado de nada e temperado com nada, até que chegar o dia em que a espera terá que findar e, findada a espera, eu possa me deleitar como todo o vazio de tanta coisa que juntei.
E ser vencido pelo cansaço. E desistir. E dormir.

De 02/05/2008 – 00:47
Agora que já é tão tarde, não sei onde foram parar meus pensamentos, aqueles que eu tinha bem aqui perto ainda agora, que eu tanto acalentava mas que voaram pela janela e devem habitar agora a distante terra do esquecimento.
Se me aguçam os sentidos, ouço clamores que vêm daqui de dentro, que saem desse silêncio que tenho que fazer. Tic-tac é a música do tempo que passa a devorar-me, enquanto o que sei e tenho de tudo é só essa demora para tudo ficar um pouco, só um pouco, melhor.
Essa solidão só não é mais verdadeira por causa do desfile de pessoas que por aqui faço passar, pensando nelas e esquecendo de mim, importando-me com elas como que para esquecer de mim. Sempre esquecendo.
As outras pessoas são tudo o que devem ser. são tristes e mesquinhas, egoístas, egocêntricas, medrosas, desatentas e desatenciosas, incompreensíveis e insuportáveis. Mas o que importa mesmo nisso tudo é que elas são as “outras pessoas”. E, nisso, eu sou para as outras pessoas a outra pessoa. Sou outro. Que se dane, pois, esse e qualquer dilema ontológico e que cada um leve a passear sua crise existencial aonde quiser. A minha, um pouco conhecida e um tanto domesticada, levo sempre a andar entre as árvores do parque, dou-lhe bastante estrada para conhecer as distâncias, vou leva-la para a beira do rio, farei com que contemple horizontes, crepúsculos e luares. Porque ela é só minha e não divido com ninguém.
E ensaio uma certa devoção a uma certa misantropia. E se não consigo adora-la é por pura teimosia. Sempre acho que as outras pessoas se não estão a debochar de mim estão a me desafiar provocativamente. Eu bem que posso aceitar a contenda e no próximo baile de espelhos trocar-lhes as máscaras ou tira-las de vez. A verdade é uma caixa vazia em que vamos amontoando nossas mentiras.
O que me cansa é tanta conversa fiada que faz o tempo passar e nos consumir ainda mais. E também essa fuga que sempre travestida de busca, esse auto-aniquilamento fazendo as vezes de vida. O que me cansa é todo mundo depositar seu lixo em minha porta, suas excrescências em meus ouvidos. O que de fato me esgota é esse “AI-AI-AI-NHÉM-NHEM-NHEM” ad aeternum das outras pessoas que sempre esquecem de perceber que sou também uma pessoa.

De 20/05/2005 – 01:05
Mis uma rodada de cerveja! Vamos conversar. Abaixe o volume da música ou desligue o som, a TV, desliguem esse olhar viciado sobre as mesmas coisas. Vamos conversar. Afinal, a linguagem foi o maior investimento humano em evolução para ser desperdiçada assim tão à toa. Não me mostrem fotos, vamos aos fatos, vamos confiar na precariedade da memória, que sabe sempre guardar o que realmente importa.
Abandonemos os subterfúgios da convivência, deixemos de lado a covardia da conveniência, vamos nos encontrar porque gostamos uns dos outros, ficar satisfeitos porque já se tem um amigo, alguém com quem goste de estar, alguém em quem não se deixa de pensar.
Se não é para ser assim, deixem-me seguir rumo aos meus abismos, não se preocupem com o fundo do poço (que afinal é meu). E, sobretudo não alterem em nada a pintura de minha vida, não aliviem o peso de minha solidão, não interfiram com as causas e consequências dos momentos contingentes de minha realidade. Não provoquem sem motivo minha tristeza, ela sabe me atormentar sozinha, sem a ajuda de ninguém. Minha solidão e tristeza vão bem. Obrigado!
Não me venham em casa com nada na bagagem, não me apareçam de mãos vazias. Tragam sempre um sorriso, uma palavra nova e bela, uma história tocante e bela, sobre um sonho ou uma esperança, tragam-me nem que for a ilusão de uma quimera. Tragam-me carinho e consideração. O resto todo eu tenho. E tenho de graça, muito mais a dar do que imaginam. Não pensem que me agradam trazendo um anel de ouro para o meu tesouro de pedras. Dispenso suas pérolas, sou um colecionador de conchas que apanhei na areia de cada praia que meus pés pisaram para olhar o por-do-sol.
Chega de conversa! Vamos conversar de verdade. Falar de outras coisas que não as mesmas, que nossos problemas já fazem aniversários. Vamos fazer outras coisas, vamos ser outra coisa. Querer alguma coisa, querer buscar mais do que fugir. Não há lugar no mundo onde possamos esconder nossa tanta miséria.
A natureza fez me assim, parecer versado em vicissitudes humanas. E fez isso parecer menos um dom do que uma maldição.
Entrem em minha casa como quem entra num templo. Tirem os sapatos, as amarras, as roupas, deixem porta afora seus medos e preconceitos, seus dogmas, suas verdades infalíveis, sua visão carcomida de um mundo convencional. Abandonem tudo em prol do silêncio e deixem a escuridão apoderar-se de tudo.
Então nasçamos de novo, a cada instante, a cada morte a que somos submetidos em todo o momento que passa, nasçamos bem a tempo de não morrermos à toa.
E não se enganem. Tudo aqui é sagrado. E tudo ter um ar de profano. Tudo aqui é mundano. Aqui é meu mundo e eu sou só humano.
(Deixem-me ser rabugento quando quiser...)

sexta-feira, maio 02, 2008

É triste isso...

É triste tudo isso se parecer com um deserto. Dias e dias sem comer e sem beber e só areia por todo lado, silêncio e calor, nenhuma brisa, nenhuma sombra. Impressão de que se morre no próximo instante. Triste isso se parecer com uma cela de prisão, solitária, fria e escura, inexpugnável. Não saber se é dia ou noite, manhã ou tarde, se chove ou faz sol, se passa um trem ao longe ou apita um barco que se aproxima do cais. Não saber se é janeiro ou dezembro, verão ou inverno.

Esquecer de súbito o cheiro das flores e suas cores, não sentir a terra sob os pés, ou a grama roçar-lhe os passos. Não se recordar mais do ultimo regaço, ou mãos que tocam e os abraços, não ter molhados os lábios de um último beijo perdido no tempo. O próprio pensamento ser a única coisa que se ouve. Ou a respiração, enquanto respira. Dormir um sono sem sonhos, acordar sem ter descansado, não ter prazer de existir.

É triste isso se parecer com a realidade e sua verdade inescapável, nua e crua. Com os passos que nunca mais vou dar na rua, com olhares inúteis que nunca mais vislumbrarão a luz da lua.

É triste isso parecer que vem de dentro para fora, não o contrário, vem de dentro do peito, de onde não se pode de jeito algum extirpar. Triste não haver nada que acalme o descompasso do coração, essa ânsia, essa agonia, essa vontade de ter asas na beira do abismo.

É triste isso doer tanto de uma dor que remédio nenhum cura ou ao menos mitiga. Triste ser como uma doença, um vício, uma mania. É triste sendo uma dor demorar tanto em ser tão ruim, que nada faz aprender, da qual não se pode esquecer, nem se livrar, porque se pára de doer, há de doer na lembrança de que doeu.

É triste não poder falar disso com ninguém, partilhar, dividir o fardo para carregar. Triste isso ser um segredo íntimo, um sentimento aparentemente ínfimo. Triste isso ser como a solidão na hora da morte. Tão triste isso ser intenso e profundo como um soneto de Camões.

Triste isso ser tudo que é. Triste isso ser amor.

domingo, abril 20, 2008

Ser menos

O tempo vai passando sem nos dizer nada. E a gente vai aprendendo a ficar quieto, simplesmente isso, quieto com relação a tudo em volta. Isso significa ser mais resignado com o passar do tempo, mais paciente, mais condescendente, mais compreensivo com as merdas que tudo mundo faz em volta e que sempre espirra em você. A gente vai cada vez mais aceitando os fatos da vida porque ou perdeu alguns sonhos ou os sonhos que ainda acalenta não têm mais o mesmo valor, o mesmo peso, o mesmo tesão. A gente vai sendo cada vez mais o que não se quer ser, porque não se sabe o que quer. A gente vai sendo mais... e eu quero agora ser MENOS!
O grande silêncio alimentado anos a fio se rompe, como que de repente. A gente se torna menos quieto. Depois de uma olhada no espelho, deixar de velar armas e usar as armas, vestir a armadura, empunhar a espada e partir para a guerra. Ninguém vai me dar o que eu não tomar, mesmo que seja um direito meu. Tudo bem. Preparemos a guerra. Nunca fui mesmo de levar desaforos para casa, de aturar a choradeira de adultos que se fazem crianças por quase tudo ou às vezes tanto por nada: por medo, medo da solidão, do dia que vem sem trazer um futuro, medo de não ser amado, e principalmente o grande medo de não conseguir mais se esconder atrás de uma mesma máscara, aquela que cansa e não engana mais ninguém.
Então tá! Olha aí o que eu acho de tudo. Saí de meu olhar no espelho não sem medo, mas conhecendo melhor meus medos antigos e aprendendo a conhecer os medos novos. Eu também estou sozinho e não sei se vai acontecer de alguém me amar para o resto da vida. Além disso, que não é pouco, dinheiro não é meu forte, sexo se vende na esquina só para quem se atreve a comprar e felicidade, bem, essa palavra não faz parte de minha busca. Já disse: sobre fecilidade duas coisas, não sou feliz, não sou infeliz.
Só que agora acabou aquela quietude compreensiva com relação a tudo o que me cheira um probleminha tão pequeno ser tão grande para quem gosta de sofrer e só isso.
Sofro, mas não gosto. Calo sobre essas coisas, como calei até agora, mas não consigo mais.
Venham para o campo de batalha, hipócritas, com suas muletas, eu tenho duas pernas e estou armado.
Não vim a esse mundo para agradar a ninguém.

quarta-feira, abril 16, 2008

Feliz Tudo

Como é que você disse mesmo? Tentar disfarçar que não me importo com fato de que hoje é meu aniversário. Acho que significa que se importa. Essas são as dificuldades das frases indiretas, parecer negar o que se está afirmando.
De todo modo, tenho a dizer em primeiro lugar que você deve dar um jeito nessa sua vida, afinal você não tem mais vinte e seis anos.
Continuo não sabendo o que gosto em você, de tanto de coisas que há que gosto. Talvez mais fácil dizer uma ou duas coisas que não gosto, duas: quando você desaparece e quando teima comigo.
Bom, mas disfarcemos que é seu aniversário, não pensemos e nem falemos nisso. Falemos então de outras coisas, falemos de você, de quão maravilhosa é, coisas assim que se faz só no dia no nosso aniversário. Tentar falar de algo tão bom que seja inesquecível. É difícil. Arrisco dizer que quando estou triste, penso nela e tudo muda. Se estou com ela então, para um passeio nas ruas da cidade, uma sopa em algum lugar, um cinema ou uma ótima conversa, aí nem sei o que é tristeza. Gosto de tudo nela há muito tempo. E sempre me sinto na obrigação de fazer esses posts-depoimentos, como se fosse o aniversário dela.
Gosto de suas brincadeiras e histórias, seu modo de ver as coisas e falar sobre as coisas, sua relação sui generis com as pessoas, seu modo de estar no mundo com o ar mais desencanado da vida, como se tudo não fosse nada, como se tudo fosse um enorme parque de diversões, as coisas e o mundo, esses brinquedos grandes em que a gente sempre vai, chamado cinema, faculdade, av Paulista ou Augusta, esses prédios sempre nos escondendo a lua cheia.
Mais o que mais gosto mesmo é de fazer parte da vida dela. É legal que ela não seja aquela colega da faculdade, aquela mina que eu conheci quando cursei filosofia. Tirei a sorte grande de conhecê-la. E agradeço as rampas por isso.
Podia falar muito mais, só que eu também não tenho mais vinte e sete anos, nem quarenta e cinco. Aprendi a fazer segredo de algumas coisas boas da vida, para serem um pouco só minhas, ainda que divida com muita gente.Feliz aniversário? Coisa nenhuma. Feliz tudo, até mesmo no dia do seu aniversário. E eu, como presente, fico devendo um post melhor.

Pretérito imperfeito

O gosto de presunto e queijo do misto-quente, o cheiro da “Dama da Noite”. O amarelo alaranjado do sol que se põe no fim da rua. O acorde específico de certas músicas, letras, vozes de melodias românticas. O vento no rosto, a chuva no cabelo. A pele da moça de mais aquela dança, sentir no meu corpo algo como se fosse a alma dela. Beijo com gosto de boca, perder todos esses poucos sentidos, não respirar, não pensar, parar o tempo exatamente na contemplação daquele raio de sol que entra no fim da tarde, uma mentira de uma certa eternidade, as ilusões sobre a vida, os desejos inúteis sobre o tempo não passar nunca. Saudade da infância, vontade de nunca ter saído da adolescência. E agora voltar a tudo aquilo só se for com a imaginação e os sonhos. Impressão de que se deixou lá muita coisa.
Meu pai andava de bicicleta, meu irmão dançava ao som de funk, minhas irmãs cantavam as músicas do radio, minha mãe contava histórias de nascimentos, dava um motivo de a gente estar no mundo. Em casa sempre tinha cães e gatos, teve até pombos, todo mundo tocava violão.
E eu trago tudo isso como um tesouro muito bem protegido.
O que há hoje é os olhos estarem cansados e os olhares perdidos na imensidão, o peso no ar da incerteza de se ter vivido.
Há hoje somente a saudade.
Ninguém sabia o que o outro pensava, mas só o que dizia. E o que devia ser feito, primeiro a gente sentia. E a gente ria dos tombos de bicicleta, dos “foras” das namoradas, só se entristecia de verdade quando acabava o assunto. A gente tinha assunto, vivia o assunto, a gente era o assunto. A gente criava e o assunto nunca acabava. A gente sentava na calçada, brincava de noite na rua, namorava no portão, fazia baile todo sábado, se via todo dia.
Meu pai sentava na ponta da mesa e era Natal. Suas histórias eram piadas, suas piadas eram histórias. Na sua carteira a foto de uma mulatinha bonita que era a minha mãe. Toda semana tinha carne moída e purê de batata. E minha mãe fazia doces. E todo dia café com pão, quase sempre tinha bolo. Todo domingo tinha frango e macarrão.
Um tempo em que havia quintais. Tinha festa junina e quermesse, futebol na rua, tinha os amigos que eram amigos dos amigos, tinha alegria de viver.
Tudo isso eu trouxe à mente com o cheiro da Dama da Noite. Seu cheiro dá uma saudade tamanha daquelas noites.
E hoje, tão longe daquilo tudo, sinto que aprendo cada vez mais, ao passar dos anos, a odiar esse pretérito imperfeito.

Senso comum do homem comum

Há de ser exatamente hoje sentir que algo muito importante aos poucos morre em mim.
O Homem Comum, cheio de rancor e ressentimento, mata o poeta, mata o homem que em mim pensa, mata o que faz arte. Assim, a poesia jaz em algum calabouço do ser, as cores esvaem-se na escuridão e pensamentos perdem-se em indescritíveis labirintos. E é isso a morte.
O Homem Comum não me perdoa as ousadias, os vôos tresloucados, os devaneios, e essa vontade de muito mais.
Ele me queria com os pés no chão e a cara enfiada num buraco. Queria ser, desse modo, senhor de todos os meus medos e guia de todos os meus passos. Sopraria em minha boca suas próprias palavras, poria diante de mim qualquer coisa que não fosse uma visão minha, enganaria meus desejos e iludiria minhas convicções. O Homem Comum não suporta a traição. Ele é dono de todos os relógios, não admite quem quer que seja não viver a mercê do tempo. E, no mais, ele odeia segredos. Porque em algum segredo pode morar a verdade de uma pessoa.
Poesia... por que tanto silêncio dentro de mim? Tristeza, onde nasceste para eu lutar contra ti desde o início? Aonde ir perder-me? Onde pousar do inútil vôo? Onde um porto? Aonde chegar indo a lugar nenhum? Onde o fim do fim de tudo o que vejo em meus espelhos? Não há luz no vazio e nem vozes no silêncio. Essa escuridão é a certeza de mais nenhuma aurora. Essa hora se demora a doer tão forte, tudo o que há são esquecimentos...

(That’s enough! I don’t wanna to lose this feeling!)

Há quem imagine que é fome ficar algumas horas sem comer. Minha tristeza é como a fome de quem não come há dias. E esquece o que é a ponto de trata-la por outro nome. E a fome que me vai por dentro não é falta de alimento, mas o esquecimento do que ele é.

Por trás de copos e garrafas de bebida, a semana inteira, todos os dias, vi tanto todos os rostos conhecidos. e por trás de suas histórias a minha, tão quieta e acuada num canto, calada num silêncio que não pode nunca se quebrar sob o risco de se tornar em palavras vazias, mais vazias do que podem achar que são.
Ousaria dizer que tanta gente parece estar a um escorregão da felicidade — ou do disso mais se aproxime —, enquanto tive que descer a todos os infernos e de lá retornar, conhecer todos os abismos e desertos. Qualquer unha encravada traz uma dor maior do que a que trago no peito, dia após dia, há tanto tempo.

O jeito é seguir em frente, em minha briga contra o Homem Comum, contra seus convencionalismos, sua visão de mundo, seu senso comum. Não deixar que me dite conceitos prontos para tornarem-se preconceitos, não deixar que me dite moda e modismos, convicções estranhas e espúrias ideologias. Lutar contra o Homem Comum não é ser “revoltadinho”, “rebeldezinho”, ou um ser, como dizem, amargo. Lutar contra o Homem Comum é não mentir nunca a si mesmo e nem aos outros, encarar o real de frente, o que é deveras muito difícil, ter a mente aberta para com tudo quanto possa parecer facilmente aceitável. Um outro olhar para todas as coisas, dentro e fora de você. E nos espelhos, o difícil ato de estar sempre diante do espelho.

terça-feira, abril 15, 2008

Noturnas

Trailler de um post que não consegui colocar aqui ainda, um começo de poema, cabeça na estrada, asas nos pés, quilômetros de pensamentos não postados na vida, tanta inutilidade na combinação dessas letras-palavras-frases-períodos, distâncias são só distâncias.
"Longe eu me sinto longe, tão longe de tudo perto de nada, a estrada, longe e perto, tudo e nada, aqui onde tudo é tão onge, sinto você tão longe de tudo e tão perto de mim..."
Araçatuba, noroeste paulista. Uma noite insone, a descoberta de um computador com internet no hotel. Ter de esperar uma mocinha largar essa máquina, para poder usar um pouquinho, ver e-mail, ou melhor, não ver e-mail, quem está distante me joga ainda mais para longe com um silêncio injustificável. Abater-me ainda com mais esse peso da mesma trsiteza. Eu disfarço para mim mesmo com tanto esmero, mas estou esperando algo, esperando qualquer coisa. Sinto-me ridículo, todo o amor é ridículo, todo o romantismo é ridículo, ridículo, ridículo.
Faço-me forte, ergo a cabeça, sacudo os ombros, respiro fundo: eu vou saber viver sozinho, e isso é uma grande e tola mentira.
Essa volta à estrada bem que serviria para me "inspirar" outros poemas. (Agora estou no post rascunhado em tinta vermelha no papel almaço, passando a limpo). Ou bem que me serviriam essas andanças pelas estradas para fazer maravilhosas fotos para registro do que não se descreve com palavras. (Penso nela, ela entrou na minha cabeça, penso nela com agonizante insistência, não é justo, nada é justo no amor romântico). Mas não. Essa volta à estrada serve apenas para perceber-me assim tão só. Triste, mais triste do que poderia imaginar estar.
É como me sinto e odeio cada vez mais sentir, o sangue nas veias, um sufoco no peito, vontade de esmurrar o real à minha frente. É como me sinto -e esta é a minha maior crise-, desde a manhã em que me olhei no espelho e quase não me reconheci. Idiota! Disse ele. Grande idiota! Você é o maior desperdício de que já se teve notícia. A dúvida sobre o que é que pensam os que me vêem quando pensam que vêem. Danem-se todos. Este modo de estar só, de sentir-me só, tem um quê de revolta. É impossível olhar para si mesmo sem que esse olhar mude o mundo em volta, o mundo e as pessoas, sem que mude seu olhar para todos os outros.
Fingimento. A humanidade não é feita de representações nem de vontade, mas de fingimentos e apatia. Hipocrisia posta na ordem do dia nas horas mais oportunas, as pessoas são minha maior decepção e desgosto, mesmo que a contragosto eu ainda nutra alguma esperança nisso que ainda teimamos em chamar de ser humano.
Estar só: um soldado sem pátria, um caminhante sem destino, um rebelde sem causa. Uma andorinha a crer ainda em poder fazer verões. Duro saber que não se muda o mundo e as pessoas, tentar então mudar-se a si mesmo para o mundo e as pessoas. Tirar delas suas máscaras, tirar dele suas ilusões, quebrar delas as muletas, tirar dele as falsas esperanças, revelar a elas sua própria hipocrisia, abalar nele seu pretenso estado de equilíbrio alienado. As pessoas e o mundo, essas coisas desprezíveis tem que ser um fenômeno que se dá um ao lado do outro.
Brigas no trabalho, noites mal dormidas, a realidade essa solitária no presídio da vida, esse silêncio que atordoa, essa escuridão que cega, essa podridão que me consome. Raiva, agora eu sei que tenho, agora sei que sei usar. Um guerreiro no deserto brandindo sua espada contra fantasmas.
Penso nela, quero esquecer, mas penso. E se esqueço, quero pensar. Ela não. Ela torna a distância algo intransponível e o silêncio algo insuportável.
Essas melodias são minhas, só minhas, noturnas, soturnas, inoportunas.

sexta-feira, março 28, 2008

Um grito

A escuridão é o silêncio das imagens. Essa lágrima contida é sempre o silêncio de todas as alegrias. Esses pequenos temores são o silêncio das grandes coragens. Esses suores o silêncio de incompreensíveis inquietações. Essas ilusões são somente a realidade que faz silêncio para nos enganar. Ou para nos encerrar em seus ardis. O vazio nada mais é do que o silêncio das visões. Essa vontade de nada é o silêncio da ação. Fosse todo branco o papel, seria o silêncio da inspiração. Nos labirintos da mente esconde-se o silêncio da imaginação. Pequena dor no peito é só silêncio do coração. Essa indiferença é o silêncio de todas as paixões. As noites insones são o silêncio dos sonhos. Um olhar perdido para todas as distâncias é o silêncio da vontade. Asas recolhidas são o silêncio da liberdade. E tudo assim tão quieto é somente o silêncio da felicidade.
A saudade é o silêncio do amor. A dor é o silêncio do prazer. A morte é o silêncio da criação.
Vivo. Mergulhado nesse líquido. Encerrado nessa bolsa. Primeira força para sair. Primeiro ar dos pulmões: um grito.

quarta-feira, março 26, 2008

Van Helsing

Eu tentava lembrar onde tinha escrito uma coisa que cabia aqui, anotações de monte jogadas em tantos papéis e pastas, essas inutilidades de hoje em dia, encontrei numa pasta em que tinha etiquetado como “diário de uma tese de mestrado”. E estava lá começando com epistemologia, continuando com uma tentativa de algo em torno de estética, com o atraso todo que tem a minha leitura de literatura, os livros de Umberto Eco esperando para um dia serem lidos. E agora tentando pensar o ateísmo, algo que me levará inevitavelmente a Nietzsche. E já tentando pensar o que vem depois. A poesia há de se vingar de mim. Ou serei linchado um dia por todas as mulheres que desenhei.
“Meu apartamento, meu casulo, útero, bunker...” eu ia escrevendo assim e por aí vai alguém tentando entender a solidão, defender-se dela, o absurdo de se travar uma batalha contando com o exército de uma única pessoa.
E os vampiros em volta, reclamando a falta de sangue, fugindo enquanto estamos buscando, fugindo talvez da luz, quando nós somos capazes de viver mesmo na escuridão. E quem disse que a escuridão é de todo negativa? A escuridão é o silêncio das imagens.
Falta de espelhos e mergulhos interiores. Falta de asas e coragem para um grande vôo. Falta de madrugadas ou passeios noturnos pela cidade, falta de devoção para com o desaforamento da lua cheia, linda e bela lá no alto do céu.
Minha tristeza chega a esquecer-se da sua própria razão de ser, para estar a preocupar-se com a tristeza alheia. E assim minha tristeza fica ainda mais triste do que já é.
As pessoas me parecem tristes por tão pouco. Talvez um outro olhar para as mesmas coisas, um mesmo olhar para outras coisas, sei lá, um olhar apenas.
Os vampiros se ressentem de falta de vida, um coração no peito, alguma emoção além da fome de sangue. Devem invejar todos aqueles que têm sangue correndo pelas veias, que têm vida.
Paciência! Paciência com as pessoas e com as coisas. Paciência com tudo quanto achamos que existe.
Muito bom precisarem de mim. Mas também preciso de alguém. Alguém que me conheça e reconheça. Alguém para continuar as histórias largadas na metade pelo adiantado da hora nos dias anteriores. Continuar de onde se parou. Como se nunca tivesse parado.
Bobagem! Podia apagar tudo o que escrevi anteriormente e as pessoas não saberem essas coisas desconexas não faria falta nenhuma. Mas sou teimoso em minha teimosia teimosa e publico mesmo assim.
Ou talvez acordar um dia Van Helsing e resolver esses problemas todos.

segunda-feira, março 10, 2008

Xeque-mate em três lances

Eu vou lhes dizer uma coisa, prováveis e parcos leitores meus, as palavras continuam a me trair. Pelo menos em intensidade. Difícil decifrar estados interiores. Por isso o silêncio, o não ter assunto, o não falar tanto. Por isso uma certa falta de empolgação para esses nossos inúteis olhares para as coisas da realidade. Enfim, nem sempre é muito bom olhar para a realidade, nem sempre vantajoso, e nem sempre é um êxtase, nem sempre é arrebatador. Por vezes é um olhar para as coisas nuas e cruas, como são e não como deviam ser, como queríamos que fosse.
Não pensem agora que sei o que sinto e escondo. Nada disso. Posso calar muita coisa, mas esconder não escondo. A questão é que não sei mesmo. Olho para dentro e não vejo nada. Seria fácil se entendêssemos todos os já aludidos estados interiores. Se algo não tivesse bem, a gente ia lá e mexia alguma coisa, trocava alguma peça, ligava um fio solto. Não somos máquinas. Esse é o limite do transcendente que aceito como plausível.

Não é minha vez de jogar, a jogada tem que vir de lá. Fico então esperando o menor sinal, coisas ditas no que as palavras não dizem. Para entender tudo o que se passou recentemente, objeto de minha mais completa compenetração, de minhas elucubrações mentais e emocionais, minhas perguntas com interesse na resposta que mais me agrade, que se revele o que eu espero, senão de pirraça torno a não esperar mais nada.
E de lá, tão distante, num inédito e raro e-mail longo, vem um ínfimo sinal num pronome possessivo muito bem utilizado, encalacrado no meio de uma frase aparentemente sem nenhuma outra intenção a não ser simpática. Ela me pergunta “Como estão os meus dois sararás?” (o grifo é meu). Meu gato conquistador presta-me um grande favor. Mas não devo reputar isso a um ato falho dela, a não ser que eu repasse na mente de novo toda a sua estada em casa nos vinte nove dias entre os últimos dois meses.
Uma doce saudade torna mais leve essa tristeza que se impõe por causa da ausência dela. Não posso ser dado a esperanças, porque essa palavra já não pode mais existir no meu vocabulário. Esse jogo vai ficando cada vez mais intricado.
Ela tinha um bispo ameaçando o meu rei, moveu a rainha para uma posição excelente. Se eu não souber jogar, vai ser xeque-mate em três lances.

quinta-feira, março 06, 2008

Meditabundo

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

(Fernando Pessoa, 5-9-1933)


Meditabundo (adjetivo)
1-Que medita, mergulhado em profundos pensamentos; cogitabundo. 2-Derivação: por extensão de sentido.
moralmente abatido; cabisbaixo, melancólico


Dura madrugada cujo silêncio nada quebra. Nem mesmo algum sono vem para tirar-me desse tormento.
É nessas horas que uma opressiva tristeza vem esmagar-me n’algo que chamaria de alma se eu cresse que a tivesse ou talvez algo esmagado por dentro que por esse nome chamar pudesse. E tendo crido chamaria a isso uma prece a alguém inexistente que em momentos absurdos como esse por mim velasse, que se comprazesse talvez d’alguma dor que depois de tanto sentir, dela meu corpo esquece.
E seria tudo isso um amontoado de frases com duvidoso e precário efeito poético (lírico, portanto) se verdadeiro e real não fosse. Então, em madrugadas insones como essa, eu derramaria de uma vez todos os versos de minha tristeza, se eu os soubesse, esvaziar-me-ia de dentro daquilo que não tem nome de tudo o que sem vir me entristece e emudece.
E, se eu pudesse, dormiria. E se dormisse, era para esquecer tudo o que disse.
Mas não. Desperto como estou, os pensamentos insistem em buscar bem lá no fundo de não sei onde as lágrimas que nada lavam quando pelo rosto me descem, que fossem tantas o suficiente para que inundassem a casa toda, que eu não escapasse e nelas me afogasse.
Sei porém que não tarda o dia que já amanhece, e eu, vivo, hei de me arrastar por todas as horas inevitáveis que me trarão de volta a essa.

quarta-feira, março 05, 2008

Luz amarela

São simples às vezes os caminhos da vida, tão simples que são quase nada.
Caminhar à noite pelas ruas do bairro, as calçadas iluminadas pela luz amarela dos postes. A noite já querendo entregar-se ao silêncio, e eu também, ao silêncio e a ela, como sempre. Meus passos me conhecem, sabem aonde me levar.
E meus pensamentos a entabular prosa e poesia que esquecerei se não escrever, terceiro dia do terceiro mês de mais um ano, sinto que acabou o recesso.
Agora o que resta para o resto da vida é este excesso de tudo quanto não quis, não quis ter, não quis pensar, sentir, não quis fazer. E nem mesmo quis querer.
Mas o quê? Sei lá... vai saber. Esse retrospecto de anos passados, eu até aqui um quase nada de tudo que achei que queria querer, hoje quero apenas esquecer. Isso! Queria ser feito mais de esquecimentos do que de lembranças. Não que a vida doa, que seja ruim, ou que atormente ou me apavore, nada disso, mas também sei sentir a cada dia em que vivo o quanto é tão perigoso viver. E por vezes tão banal. Com a agravante de que a vida vai ser mesmo somente esta, esta e nenhuma outra, nenhuma chance mais, nenhuma outra alternativa, tudo o que se tem e acontece, é somente nesta vida uma só.
Paciência, então, com as coisas todas. Mesmo com esse ar noturno iluminado de luz amarela, que me deixa ainda mais contemplativo, taciturno, eu diria, mais que isso, meditabundo.
Porque, se é só uma vida, tudo pode parecer desperdício. Dá para entender agora os que acreditam que a vida vai além. Querem perpetuar um estado precário de felicidade aqui, atingindo lá no além um estado de felicidade plena. Ou talvez se resignarem com o sofrimento daqui por causa de uma promessa de felicidade num além desse mundo. E nada disso me serve, pois sei que olhar as coisas como elas devem ser é garantia de uma certa capacidade de se entristecer tanto cá como lá. Então, paciência. Essa aceitação da imanência da vida que só o passar do tempo traz, vem com a idade, maldita coleção de coisas que forma a experiência. Não tem como pensar de outra forma, o mundo só pode ser percebido sensivelmente. Além disso, só a imaginação, o desejo, os sonhos, as ilusões.
E se é para ser feliz assim é exatamente isso o que me entristece. Ninguém vai ser feliz se não for nesta vida. A outra, bem, a outra pode não vir. Então eu me torno menos triste por isso. Meu olhar para as coisas todas do mundo e da vida é como se fosse sempre um último, às vezes único, olhar. Basta olhar.
Luz amarela dos postes iluminando a calçada.

A Saudade

A saudade, quando se torna meu refúgio
Ela é meu lar, é onde vivo, onde durmo
Onde quero morrer
É o ar que respiro
E o sangue que me corre pelas veias
Quando a saudade é tudo o que vivo
Sei que ela é tudo em que vou morrer
A saudade, esse mar adentro
Um mar que sei dentro de teus olhos
Pleno de todas as distâncias
De sentir tua falta sei que és tu
Meu provável último momento de vida
Um mar nos olhos em que quero me perder
Na saudade de um derradeiro momento
Última pessoa que me verá
E a última que quero ver

03/03/2008 – 22:25

Eternidade

Você se vai e o silêncio que deixa em tudo é um silêncio em tudo que deixa em mim. Maior que o do mundo, um silêncio de estar taciturno, completamente sem respostas pela simples ausência de perguntas. Silêncio de um olhar perdido para as mesmas imensidões e outras novas, sempre novas, dentro e fora tudo é tão imenso e nós tão pequenos. Silêncio de sentir-se tão pequeno.
Eternidade: esse segundo que acaba de passar, tão difícil de perceber.

Noite em claro

Sei que vou passar mesmo a noite em claro. E nem sei quanta vida pode haver nessas poucas linhas. Ou se as palavras são suficientes para expressar o que ainda há de vida.
Estou mais perto do velho do que do menino. E o que há de jovem em mim está nas canções que gosto de ouvir. E isto nunca vai morrer.
Hoje entendo melhor o que antes não entendia naqueles que viveram tanto parecer somente resignação e o fato de não ser somente isso.
Sei que o que é muito mais que amor não pode ainda ser chamado por esse nome. E que meu coração não está frio e nem endurecido. Meu coração está quieto como quem sabe a hora de gritar. Como quem sabe que ainda não é hora.
Só entende de distâncias quem ousa entregar-se a proximidades. Só entende de silêncios quem pode escolher a hora de gritar. Entende de madrugadas quem é capaz de ficar sem dormir. O contrário de tudo pode ser o certo: não haveria luz se não houvesse a escuridão.
Mas agora haverão de não entender meu silêncio. E esse meu olhar taciturno para o vazio será sempre confundido com tristeza. Mas será somente quietude que me traz essa incompreensível paz para o coração. Que sabe que é mais que amor isso que não tem mais nome, que não cabe em tão poucas e pobres palavras. E se meu coração ensaia o grito, tem que saber a hora de gritar. E a hora de calar, para ser um tudo em meio a quietude.
Eu sou daqueles que pouco se importa com o fato de que se mede o tempo. Que é capaz de imaginar que trinta dias é o mesmo que um ano. E que seis meses demora só uma semana para passar.
Assim a vida não é ínfima, mesmo que também não seja eterna, a vida é o que se vive no tempo em que se é capaz de viver. Intensamente.

03/03/2008 – 03:45

Um mar sem fim

Pode-se dizer tudo sobre uma noite que cai fria e chuvosa. As nuvens escuras movendo-se no céu por detrás dos prédios, uma festa a que não convidaram nem a lua, e nem as estrelas. O frio traz o silêncio, e o silêncio faz olhar para dentro, irremediavelmente, faz buscar tudo dentro. Algum calor...
A minha vida inteira dispensei muita alegria a quem quer que seja ao meu redor, facilmente, espontaneamente. Suscitei o riso que morria, abri olhos para outros e novos horizontes, cantei esperanças esquecidas, nunca recusei nenhum abraço a quem sofria, mesmo à toa, sem motivo algum, ofereci minha mão para carregar fardos que nem eram meus, por qualquer um me embrenhei em intrincados labirintos, sustei o passo, saí do caminho, voltei atrás.
Não encontro mais, agora, essas alegrias dispensadas. Parece que foram desperdiçadas. Nada tenho de volta. Mal sabia que se esgotariam. Nada sei mais daquela mágica capacidade de facilmente estar tão alegre, por tudo, e mesmo por nada. Por ser, talvez, qualquer coisa que valha no absurdo desse mundo, por estar de olhos abertos sempre que um novo raiar de sol descortina a possibilidade de mais um dia, um dia novo, um outro dia.
Tudo o que se pode dizer de uma noite dessa é que ela é essencialmente triste. Triste, só isso, e nada mais. E a tristeza tem lá das suas, faz das suas, esconde-se de todos e tem que achar por bem invariavelmente me pegar sempre que estou sozinho. Não há como mostrá-la, falar dela. Ela conhece meus desertos e meus silêncios, meus momentos de delírio e todas as minhas fraquezas. Meus sonhos são domínio dela, ela conhece meus mais íntimos pensamentos. É de lá que ela nasce. E sabe sempre a que horas deve vir. E sempre me pega distraído. Sempre que ela vem é quando estou mais desprevenido.
Tem que ser numa noite como essa, fria e chuvosa, da qual é impossível fugir.
Minha vida inteira fugindo da tristeza... tendo sempre com ela um encontro marcado no inesperado da hora mais imprópria.
De nada adianta uma idéia de destino, uma sina, uma senda, uma saga, um objetivo e planos, compromisso com o futuro improvável e incerto, de nada adianta esse amontoado ajuntado ao longo dos anos de tolas esperanças infundadas. É só essa vida que tenho, e suas escolhas, sem outra chance ou alternativa, sem conserto, sem remédio, sem descanso, sem pouso em qualquer porto seguro... só a imensidão de um mar diante de mim, um mar sem fim.

29/01/2008 – 19:59 / 01/02/2008 – 02:30

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Merecido castigo

As bicicletas não rodam mais no parque. As crianças viraram adultos insatisfeitos. O mundo de aventuras transformou-se numa realidade onde o que vale é o corre-corre. Os sonhos viraram estórias estranhas, fizeram um remake bem vagabundo de todos os mais belos sonhos que se pode ter. Não tem mais pote de ouro no fim do arco-íris, nem luz no fim do túnel. As mais belas palavras tornaram-se um balbuciar ininteligível sobre coisa alguma.
Enormes edifícios erguem-se onde havia sublimes mundos de quintais, pedra e asfalto cobrem os rios mortos. Colocaram flores de plástico em todos os vasos de minha vida. Cimentaram todos os bosques de nossa infância, puseram calçamento na areia das praias. Cobrimos tudo com paredes, janelas e portas para nos escondermos de qualquer coisa passível de nos ser próxima. Estamos encerrados em nossas prisões com as portas abertas, temos medo de sair, temos medo de voar, tudo não passa de uma canção no escuro.
A fumaça maculou o azul do céu, luzes artificiais ofuscam a luz das estrelas. Cidades invadem campos, lixo invade enseadas, sombras de prédios imensos são os melhores protetores solar.
Procuro amor em cada esquina, em cada beco escuro sem saída, o amor escoa pelo esgoto, vontade de viver, uma quimera, vontade de viver com hora marcada, entrar e sair, cinco ou seis dias por semana, na solidão de minha casa uma imagem incógnita em cada espelho parece ser eu. Procuro amor em cada olhar atormentado, e só há esgares no lugar de sorrisos. Em cada rosto uma história desfeita, mal contada, mal assimilada, mal vivida. Toda poesia é somente esse inquebrável silêncio a pairar entre as pessoas.
O que move tudo parece ser a tristeza, o que torna tudo possível é só melancolia, esses nossos medos tolos. O sofrimento se impõe como dádiva, um favor dos céus, um capricho da natureza. A dúvida é nosso melhor tempero, mesmo sobre aquilo que não se pergunta nem num momento de insanidade.
Não são lamentos por tempos idos e nem falsas esperanças de algum porvir. É bem menos que isso, é tudo ser bem menos que isso.
É somente vida, nosso mais merecido castigo.

Entre o céu e a terra

Com o coração entre o céu e a terra: ela vem! Esse amor que é tão fácil de negar, da boca para fora. Da boca para dentro nem tanto. Ela vem me trazer tudo de volta, ou não, trazer de novo tudo à tona. Vou tentar disfarçar a indisfarçável euforia. Tentar para quê? E por quê? Como? Onde vou esconder essa imensidão de sentimentos? Vai transbordar pelos olhos. E por cada poro vai me escapar um pouco de luz da imensa alegria interior. Incontrolável.
Ela vem e nem sabe que me traz tudo o que levou tão sem perceber, quase que sem querer, eu diria (diria?), eu diria que não devia ter dito que nunca mais ia dizer eu te amo. Não vou dizer. Talvez nem seja preciso. Não! Não vou dizer, não vou dizer o que de qualquer forma eu digo, mesmo sem perceber, mesmo pensando que sempre é sem querer.
Um frio na boca do estômago. Ela vem como se nada tivesse acontecido. Eu também me comporto assim, como se nada tivesse acontecido. Foi só a distância. Foi só toda essa saudade. A boca por que me apaixonei, desde a primeira vez que vi, a boca que me engoliu toda a vontade de fugir, de não mais querer, de não mais ser qualquer coisa. A boca que me devorou a vida, inteira. A boca que devorou todos os meus mais sublimes pensamentos.
A noite, também uma boca que me engole, não será mais tão vazia e silenciosa, haverá trovões em meu peito, haverá dança de luzes de todas as estrelas, haverá paz, uma paz tão indescritível, tão difícil de ser sem ela.
E sei também que haverá muita falta de paz, que amar não passa de travar consigo mesmo a mais cruenta de todas as guerras.
Toco sua boca toda noite em sonhos tão deliciosos. Tocarei suas delícias em sonhos que se tem quando preciso não dormir. Sei que todas as horas serão eternas, todas as noites suaves, sei que estarei como que morto para esse mundo que não me abarca, para todo o desejo que em mim não se aplaca, desejo de poesia em gesto. Todas as músicas. Todas as sinfonias no sussurro de cada palavra. Todo o amor de toda a eternidade e de todo universo, mesmo que não seja preciso dizer eu te amo.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Há música

Agora são apenas os rostos da minha imaginação. As mulheres que eu amo são as que eu desenho, as que me olham do fundo da pasta, aquelas que têm seus mais enigmáticos olhares. O limiar da falta de lucidez será estar próximo de uma certa loucura. Bobagem! É só este convívio com uma duradoura solidão, esse silêncio sempre absurdo dentro de mim, essa aceitação de todos os fatos inaceitáveis. Não vai haver ninguém pelo caminho, ninguém para tomar pela mão, ninguém para dividir a tristeza de momentos tão felizes. Ninguém para compartilhar esse olhar que se perde na madrugada, lua e estrelas, a noite e sua escuridão, seu silêncio, imensa quietude, ninguém com um abraço que me aproxime de todos os medos do mundo e que me afaste de mim mesmo.
Tristeza, é sempre mais tristeza do que solidão. tristeza por tudo e por nada, por tão pouco, muito pouco. E aceitar tudo isso como se fosse uma dádiva, acalentar a tristeza porque sua existência é verdadeira e necessária, mais do que a improvável felicidade.
Não mais fingir, não mentir a cada olhar no espelho, não se deixar enganar por tantas coisas tão tolas e inúteis.
Nenhum lugar cabe em mim, nenhuma distância me percorre, nenhuma mão me alcança, nenhum olhar me atinge em cheio para dar um sentido a existência. Existir não faz o menor sentido e o medo dessas palavras agora faz menos sentido ainda.
Os sonhos, sempre os sonhos. Sonhar de olhos abertos até que se quebre o enorme silêncio e eu possa dormir. Aquela vontade de nunca ir a lugar nenhum, não ver sequer uma pessoa que seja, não ouvir mais nada sobre tudo e qualquer coisa, entregar-se ao silêncio, a mais absoluta das forças da natureza. Apagar meu nome de todas as bocas, banir minha imagem de todas as lembranças, tirar minha vida de toda essa história. Eu preciso ir, encontrar de vez o que vim fazer aqui. Eu preciso ir para bem longe, onde todas as distâncias não irão fazer nenhum sentido.
Esquecer a vida e seu sofrimento, essas lágrimas sempre derramadas em vão, essa dor no meio do peito tão indecifrável, esquecer toda essa vontade de amar tão incontrolável. E nascer de novo na manhã que se avizinha, nascer novo, outro que não eu mesmo. Para que me conheçam menos ainda, que não saibam nada, e para que possam ter a certeza de que nunca vão me conhecer.
Agora sei que sou a tristeza. E na tristeza de ser isso, sou o desconhecido.
Ainda bem que há música e alguém que ainda saiba ouvir a música que há. Sim, uma nota triste de um violino aqui, um rufar de tambores ali, anunciando um espírito revolucionário. Eu não prestava atenção às minhas próprias palavras, quando me contam, escuto-as de modo diferente, como se não fosse eu, mas talvez um eu como uma centelha no coração de outros. Ouça quem sabe ouvir. Ouvidos para quem tem sensibilidade. Sensibilidade para quem é capaz de viver. E vida para quem ainda é capaz de sonhar. E sonhos para quem se atreve a viver.
PS.: O final quase perdido:
"Ainda bem que tudo pode soar às vezes como música, uma nota triste de um violino aqui, um ribombar de tambores revolucionários ali, talvez algo mais, piano e metais, sinfonias para quem tem ouvidos, ouvidos para quem tem sensibilidade, sensibilidade para quem sabe que está vivo e pode estar. E vida para quem ainda é capaz de sonhar. E sonhos para quem é capaz de viver."